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Viva a língua francesa!
Viva a língua francesa!
A língua em que pensam e sonham perto de 300 milhões de falantes

«(...) Não é de estranhar que o francês seja a quinta língua mais falada do mundo, com um número de falantes calculado em 277 milhões, dos quais 138 milhões nativos. (...)»  

 

Celebrou-se a 20 de março o Dia Mundial da Língua Francesa, uma das seis línguas de trabalho da ONU, a par do árabechinêsespanholinglês e russo. 20 de março foi escolhido por coincidir com a data em que, em 1970, foi criada a Agência de Cooperação Cultural e Técnica, que mais tarde viria a ser a Organização Internacional da Francofonia (OIF), atualmente com 57 Estados-membros e 20 países observadores. O francês é a prova de que o esplendor das línguas e dos países que as falam andam de mãos dadas.

O francês é língua oficial ou cooficial, na Europa, em FrançaBélgicaSuíçaLuxemburgoMónaco; na África, em Burquina Fasso, BurundiCamarõesComores, Costa do Marfim, DjibutiGabãoGuiné-ConacriGuiné EquatorialLíbanoMadagáscarMaliRepública Centro-AfricanaRepública do CongoRuanda, e Togo; na América, no CanadáHaiti; na Oceania, nas SeichelesVanuatu. A França não tem colónias, só departamentos ultramarinos e territórios, nos quais o francês é oficial, a saber, Guiana Francesa (América do Sul), Guadalupe, Martinica, São Bartolomeu, São Martinho (Caribe), São Pedro e Miquelão (América do Norte), MaioteReunião (África), Nova CaledóniaPolinésia FrancesaMarquesas, Sociedade, Wallis e Futuna (Oceania), AmesterdãoCrozetKerguelenSão PauloTerra Adélia (Terras Austrais e Antárticas). 

É também a principal língua segunda da ArgéliaMarrocosMauríciaTunísia. Não é de estranhar, portanto, que o francês seja a quinta língua mais falada do mundo, com um número de falantes calculado em 277 milhões, dos quais 138 milhões nativos. Importa notar que estes números são calculados em função do número de habitantes dos países e regiões, e podem não corresponder exatamente a falantes de francês, facto comum em demografia linguística. 

Sobretudo ao longo dos séculos XVIII e XIX, o francês era a língua mais falada nas cortes europeias e a cultura francesa inspirou muitos dos grandes movimentos filosóficos, artísticos e científicos da época. O francês substituiu o latim, língua franca diplomática até então, e tornou-se a «língua da diplomacia» , em 1714, quando o Tratado de Rastatt, que pôs termo à Guerra de Sucessão da Espanha, se tornou o primeiro tratado internacional redigido em francês. A língua manteve este estatuto até à década de 1960, mas ele começou a declinar em 1919, durante a Conferência de Paz de Paris, que decidiu as condições a aplicar aos derrotados da Grande Guerra: o Tratado de Versalhes foi redigido em francês e em inglês, devido à presença de países não-europeus à mesa das negociações e pelo facto de o presidente dos EUA, Woodrow Wilson, não falar francês.

Depois da inglesa, a francesa é ainda hoje a mais estudada como língua segunda e estrangeira, embora estes números tenham vindo a decrescer nas últimas décadas. Portugal é um exemplo claro deste decréscimo: com a reforma curricular dos ensinos Básico e Secundário, entre 1988 e 1992, iniciada por Roberto Carneiro enquanto ministro da Educação, o francês, até então língua estrangeira obrigatória entre o 5.º e o 9.º anos, passou a ser apenas uma língua estrangeira opcional, o que levou ao seu quase desaparecimento do sistema de ensino oficial, tendo sido substituído pelo inglês. 

O francês está longe de ser uma língua ameaçada, mas é inegável que a sua influência internacional já conheceu melhores dias. Continua, porém, a ser a língua em que pensam e sonham muitos milhões de falantes, que determinarão o seu futuro.

Viva a língua francesa!

Fonte

Artigo da linguista e professora universitária portuguesa Margarita Correia, transcrito, com a devida vénia, do Diário de Notícias de 3 de abril de 2023.

Sobre a autora

Margarita Correia, professora  auxiliar da Faculdade de Letras de Lisboa e investigadora do ILTEC-CELGA. Coordenadora do Portal da Língua Portuguesa. Entre outras obras, publicou Os Dicionários Portugueses (Lisboa, Caminho, 2009) e, em coautoria, Inovação Lexical em Português (Lisboa, Colibri, 2005) e Neologia do Português (São Paulo, 2010). Mais informação aqui. Presidente do Conselho Científico do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP) desde 10 de maio de 2018. Ver, ainda: Entrevista com Margarita Correia, na edição número 42 (agosto de 2022) da revista digital brasileira Caderno Seminal.