Falar da Arménia, uma questão de justiça - Diversidades - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
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Falar da Arménia, uma questão de justiça
Falar da Arménia, uma questão de justiça
O arménio na história e no ensino

«(...) Da longa e complexa História da Arménia é impossível falar em pouco espaço, mas ela é tão rica e fascinante que merece estudo e reflexão.(...)»

 

A Arménia é um país da Ásia Ocidental, delimitado a norte pela Geórgia e, no sentido horário, por AzerbaijãoIrão e Turquia. Foi independente entre 1918 e 1922; entre 1922 e 1991, foi uma República Socialista e Soviética. Atualmente, a Arménia é um país independente. Entre o séc. XVI e 1918, a Arménia fez parte do Império Otomano, sob cujo domínio sofreu um primeiro genocídio, entre 1894 e 1896, no qual terão morrido mais de 300 mil arménios, e um segundo, considerado o primeiro grande genocídio do séc. XX, a partir de 1915, causando a morte de mais de um milhão e meio de arménios e a fuga de muitos outros. Estes assassínios em massa não foram até hoje reconhecidos pela Turquia como genocídio, apesar de 29 países (como AlemanhaFrança e Estados Unidos) o terem vindo recentemente a fazer, assim como ONU e a UE. O termo genocídio foi cunhado por Raphael Lemkin, em 1943, com base nestes massacres.

Da longa e complexa História da Arménia é impossível falar em pouco espaço, mas ela é tão rica e fascinante que merece estudo e reflexão. Destacaremos que a Arménia foi o primeiro país do mundo a adotar o cristianismo como religião oficial, em 301 e que, embora hoje seja um estado laico, a sua população segue maioritariamente a Igreja Apostólica da Arménia. A população tem vindo a decrescer significativamente e, dados preliminares do censo de 2022 situam-na nos 2 689 438 habitantes. No entanto, estima-se que a diáspora arménia, presente em mais de 100 países, seja de mais de oito milhões de pessoas, sobretudo na Rússia, Estados UnidosFrança e Geórgia, mas também nos BalcãsEuropa Ocidental e antigas repúblicas soviéticas da Ásia.

língua arménia constitui um ramo independente da família das línguas indo-europeias. A origem do arménio perde-se na noite dos tempos, mas os seus primeiros vestígios estão datados do IV milénio a.C. Em 405, São Mesrobes Mastósio criou o alfabeto arménio, constituído por 36 carateres, em uso até hoje, que constitui um dos grandes símbolos nacionais do povo arménio. A língua arménia moderna apresenta duas variedades linguísticas estandardizadas, mutuamente inteligíveis: o arménio oriental, que constitui a língua oficial da Arménia e é também falado na Geórgia, e o arménio ocidental, outrora dominante, que é hoje falado por pequenas comunidades na Turquia, Síria, Líbano, assim como pela diáspora, constituindo uma língua ameaçada.

Embora a sociedade portuguesa muito deva a um senhor chamado Calouste Sarkis Gulbenkian (arménio nascido em 1869 (em Uscudar, perto de Istambul, então parte do Império Otomano) e à Fundação que nos legou, em Portugal o silêncio sobre a Arménia, a sua história, cultura e língua é ensurdecedor. A Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL) teve, no final da década passada, cursos presenciais de língua e cultura arménia, mas cancelou-os em 2021, anunciando no seu site oficial, cursos assíncronos online, de oito ou 16 semanas, fornecidos pelo Armenian Virtual College, a começar no primeiro semestre de 2022. Coincidência ou não, estes cursos começaram ao mesmo tempo que António Feijó, antigo diretor da FLUL, se tornou presidente da Fundação Calouste Gulbenkian. Atualmente, quem quiser estudar presencialmente língua e cultura arménias terá de o fazer na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (UNL).

Oxalá a Arménia deixe de ser falada só por causa de desgraças, como o recente êxodo da população de Nagorno-Karabakh, e se torne assunto interessante entre nós. Seria no mínimo justo.

Fonte

Artigo da linguista e professora universitária Margarita Correia sobre a Arménia, o arménio e o ensino desta língua em Portugal, transcrito, com a devida vénia, do Diário de Notícias de 16 de outubro de 2023 .

Sobre a autora

Margarita Correia, professora  auxiliar da Faculdade de Letras de Lisboa e investigadora do ILTEC-CELGA. Coordenadora do Portal da Língua Portuguesa. Entre outras obras, publicou Os Dicionários Portugueses (Lisboa, Caminho, 2009) e, em coautoria, Inovação Lexical em Português (Lisboa, Colibri, 2005) e Neologia do Português (São Paulo, 2010). Mais informação aqui. Presidente do Conselho Científico do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP) desde 10 de maio de 2018. Ver, ainda: Entrevista com Margarita Correia, na edição número 42 (agosto de 2022) da revista digital brasileira Caderno Seminal.