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Das línguas indígenas
Das línguas indígenas
Mais de seis mil delas estão em risco de extinção

«(...) No caso das línguas, por cada uma que deixa de ser falada, é toda uma mundivisão que desaparece: conhecimento, cultura, mitos, tradições, adquiridos ao longo de milhares de anos, desvanecem-se irremediavelmente. (...)»

 

Não se sabe ao certo quantas línguas vivas existem. Os números disponíveis não são rigorosos, porque, por um lado, não existe entendimento sobre os critérios usados para contar línguas (e não é de todo consensual estabelecê-los), por outro, algumas línguas não estarão registadas por pertencerem a pequenas comunidades rurais pouco acessíveis e, por fim, porque, sendo a maioria delas línguas em risco, o seu estado é extremamente volátil.

 O Ethnologue (publicação de referência que fornece estatísticas sobre as línguas vivas), na edição deste ano, assinala a existência de 7151 línguas; já a UNESCO, na sua documentação oficial, refere o número aproximado de 6700. Acredita-se que 90% das línguas do mundo são faladas por menos de cem mil habitantes, i.e., mais de seis mil delas estão em risco de extinção. Existem línguas que já têm apenas um falante vivo: enquanto falantes de uma língua com centenas de milhares de falantes, poderemos entender devidamente a profunda solidão em que estas pessoas vivem?

Entre as línguas do mundo, muitas são consideradas «línguas indígenas, principalmente por serem faladas por «povos indígenas». Uma língua indígena ou autóctone é a que é nativa de uma região, mas que foi reduzida à categoria de língua minoritária. Esta língua pertence(ria) a uma comunidade linguisticamente distinta daquela que se fixou na região em causa há muitas gerações; é falada no seio de uma comunidade étnica, constituindo parte da identidade da comunidade, sendo que as suas tradições são também preservadas através da própria língua.

A maioria das línguas indígenas encontra-se em risco de extinção, por diversas razões, que vão desde a colonização (com imposição das línguas dos colonizadores), a extinção maciça de comunidades de falantes devido a desastres naturais ou a genocídio, o envelhecimento da comunidade indígena e a não transmissão da língua às gerações mais jovens, a pobreza extrema que conduz a migrações, ou, ainda, a políticas linguísticas repressivas que visam a erradicação dessas línguas. O facto de as línguas indígenas serem na sua maioria ágrafas e os seus falantes não serem alfabetizados nas suas línguas maternas (ou não o serem de todo) são também determinantes para a sua extinção.

Nem todas as línguas em risco são línguas indígenas (e.g. só na Europa há centenas de línguas em risco de extinção). Até existem línguas indígenas com estatuto de línguas oficiais ou cooficiais nos seus países - é o caso do aimará na Bolívia e no Peru, do quéchua ou quíchua na Bolívia, Equador e Peru, ou do guarani no Paraguai. No entanto, o estatuto de línguas oficiais não garantirá, por si só, a sobrevivência mesmo destas grandes línguas indígenas, se não for acompanhado por medidas de política linguística apropriadas, muitas vezes difíceis de implementar.

Cada indivíduo é uma enciclopédia viva, carregando em si uma panóplia de saberes não partilhados, que desaparecem com a sua morte. No caso das línguas, por cada uma que deixa de ser falada, é toda uma mundivisão que desaparece: conhecimento, cultura, mitos, tradições, adquiridos ao longo de milhares de anos, desvanecem-se irremediavelmente. 

Cientes da tragédia que a morte das línguas indígenas representa para a Humanidade, as Nações Unidas têm procurado promover, junto com os Estados e as comunidades, a sua preservação e mesmo revitalização. Entende-se assim que o período 2022-2023, que agora se inicia, constitua a Década Internacional das Línguas Indígenas. Oxalá seja frutífera!

Fonte

Artigo da linguista e professora universitária portuguesa Margarita Correia, publicado no Diário de Noticias, de 15 de agosto de 2022.

Sobre a autora

Margarita Correia, professora  auxiliar da Faculdade de Letras de Lisboa e investigadora do ILTEC-CELGA. Coordenadora do Portal da Língua Portuguesa. Entre outras obras, publicou Os Dicionários Portugueses (Lisboa, Caminho, 2009) e, em coautoria, Inovação Lexical em Português (Lisboa, Colibri, 2005) e Neologia do Português (São Paulo, 2010). Mais informação aqui. Presidente do Conselho Científico do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP) desde 10 de maio de 2018. Ver, ainda: Entrevista com Margarita Correia, na edição número 42 (agosto de 2022) da revista digital brasileira Caderno Seminal.