«Alerta: a instituição de consulta mais útil da nossa língua pode morrer em breve.» Editorial do jornal i de 5/07/2012, subscrito pelo seu diretor, o jornalista Eduardo Oliveira Silva.
Há 15 anos, por iniciativa do falecido jornalista João Carreira Bom e do seu colega e amigo José Mário Costa, nasceu um projecto chamado Ciberdúvidas, destinado a divulgar e defender a língua portuguesa esclarecendo dúvidas de falantes.
Durante este tempo, o Ciberdúvidas afirmou-se, deu mais de 30 mil respostas a dúvidas vindas de todo o mundo, produziu mais de 40 mil textos sobre o nosso idioma, esteve na origem de programas radiofónicos e de televisão, nomeadamente o Cuidado com a Língua!, emitido na RTP, ainda recentemente distinguido com um prémio da Sociedade Portuguesa de Autores e que é, sem dúvida, uma referência do que pode ser um programa de serviço público.
Iniciativa pura da sociedade civil, num país em que o poeta contemporâneo mais ilustre proclamou que a sua pátria era a língua portuguesa, seria de esperar que o projecto tivesse ganho asas, apoios e crescido imparavelmente. Mas não. A verdade é que está em risco, pelo simples facto de os CTT, em maré de contenção, terem cortado o apoio a uma iniciativa de alto mérito, que agora tem como sustentação apenas o mecenato da Fundação Vodafone, as instalações cedidas pela Universidade Lusófona e o destacamento de um professor pelo Ministério da Educação, depois de muita insistência.
Triste sina esta. Um projecto de qualidade, útil e de grande visibilidade até no Brasil e noutros países lusófonos, que criou uma ciberescola, é centro de polémica e informação sobre o Acordo Ortográfico, serve de consulta rápida, tem no seu acervo documentação e textos essenciais e acessíveis a partir de todo o mundo, está a definhar e vai seguramente morrer.
O que mais espanta nesta morte lenta é a indiferença do Estado, dos governantes, mas também das empresas portuguesas de referência, entre bancos, gasolineiras, fornecedoras e transportadoras de energia, seguradoras, editoras e até fundações, que não dispensam uns poucos de euros para defender, divulgar e acarinhar uma iniciativa que protege o nosso idioma, tido como o sexto mais falado no mundo.
Ao contrário de Espanha, que conta com uma instituição nacional [com recomendações diárias sobre] os problemas da língua, nós por cá não temos uma instância análoga. Ou, por outra, vamos tendo o Ciberdúvidas, mas já se percebeu que pode ser por pouco tempo mais. É pena, porque esta obra gratuita e universal tem prestado, nos seus moldes e potencialidades, um verdadeiro serviço público de defesa da língua portuguesa, numa estratégia de afirmação dos valores culturais de Portugal e da lusofonia em geral.
Dir-se-á que todos os projectos nascem, vivem e morrem e que a conjuntura está difícil. É verdade. Mas ao menos a partir de agora poupem-nos os discursos patrióticos sobre a nossa importância universal, sobre os novos mundos que demos ao mundo e sobre a influência da língua portuguesa. Se é para depois ninguém fazer nada e não se encontrarem soluções, que financeiramente estariam abaixo das despesas de representação de qualquer ministro ou gestor de mérito, então o melhor é mesmo dobrar a língua e se calhar irmos aprendendo alemão.
Editorial do "i", de 5 de junho de 2012. Manteve-se a grafia antiga, conforme a seguida pelo diário português.