Artigo publicado no jornal i de 14 de Fevereiro de 2011, onde se critica o papel do Governo português na questão do regime linguístico das patentes, na União Europeia.
Na União Europeia — dizem — todas as línguas são iguais. É até direito de cidadania: todos temos o direito de nos dirigirmos à Administração da UE na nossa língua e nela sermos respondidos. Mas, no domínio das patentes, um grupo de Estados queria impor o império de apenas três línguas: inglês, francês e alemão — um atropelo que implica a articulação entre a UE e o direito comunitário, de um lado, e o Instituto Europeu de Patentes, da chamada Convenção de Munique, do outro.
Por esta Convenção, subscrita também por Portugal, alguém, incluindo uma empresa portuguesa, que queira obter uma patente europeia, pode fazê-lo na sua língua e tem de apresentar a Munique tradução integral numa daquelas três línguas, pois o Instituto trabalha só em inglês, francês e alemão. Mas para essa patente europeia, depois de concedida, ser válida e registada, por exemplo, em Portugal, deve ser integralmente traduzida para português, a menos que, obviamente, portuguesa fosse já desde o início.
Os direitos linguísticos estavam assegurados, tanto perante Munique como na UE, sendo que igualdade linguística é também equidade concorrencial e de potência de inovação. Sobretudo para as PME nacionais.
Meteu-se nisto, porém, o Governo Sócrates.
1.º Acto: Há um ano, constou que o Governo ia aderir ao chamado Acordo de Londres: no quadro de Munique, o português deixaria de ser exigido para as patentes europeias em Portugal. Haveria vários pormenores a discutir e a afinar. CDS e PSD perguntaram ao Governo o que ia fazer. E foi respondido que todos podiam estar descansados, pois o Governo só agiria através de uma proposta de Resolução da Assembleia da República e garantindo a audição dos sectores nacionais directamente envolvidos.
2.º Acto: O Governo mentiu. Não ouviu ninguém. Fez gato-sapato da Assembleia da República. Em Outubro, o Conselho de Ministros manda directamente para assinatura do presidente da República um Decreto de adesão ao Acordo de Londres. Reage o CDS, apresentando uma proposta de resolução tendente a suspender o processo. Por efeito disto, Cavaco, alertado, manda o decreto para trás. Posto o que PS e Governo indicam, em Dezembro, que só voltariam ao assunto na Assembleia da República. O CDS retirou a proposta de resolução, pois era isso mesmo que se pretendia: democracia e transparência, para poder defender o interesse nacional.
3.º Acto: Cruzado com o filme de Londres, corria o filme de Bruxelas. Olhando a UE como um só território, alguns querem estender de uma assentada a todos os 27 Estados-membros o regime das três línguas de Munique. A Comissão Europeia apresentou uma proposta, nesse sentido, em Junho. Esse regulamento, pelo Tratado de Lisboa, teria de ir ao Parlamento Europeu e só passaria no Conselho obtendo unanimidade. A Assembleia da República despachou o assunto como cão por vinha vindimada, sem ouvir ninguém e com dois pareceres de relatores PS e PSD nas Comissões de Assuntos Europeus e de Economia. O regulamento, porém, nunca chegou a ir sequer ao Parlamento Europeu. E a coisa não estaria fácil.
4.º Acto: Os tratados europeus prevêem, como último recurso e com limites, a «cooperação reforçada», por que uns podem avançar sem os outros. Sem ter ouvido o Parlamento Europeu e apenas cinco meses depois de proposto o Regulamento, o Conselho decide saltar para o «último recurso». O Tratado de Lisboa tinha a garantia da unanimidade para o regime linguístico — toca, então, de contornar a coisa, avançando para a «cooperação reforçada» para rebentar com a garantia. O CDS propõe nova Resolução à Assembleia da República com recomendações concretas ao Governo. Mas, em galope acelerado desde Dezembro, Conselho, Comissão e Parlamento Europeu despacham o truque. O Parlamento Europeu deu aprovação prévia, nesta terça-feira, à manobra. Aí, CDS e PCP defenderam Portugal. PSD esfrangalhou-se: quatro eurodeputados com a golpada, dois contra e duas abstenções. BE absteve-se. E o PS destacou-se nos agentes parlamentares do império das três línguas, apesar da mátria Edite Estrela, que nem estava presente, ou não votou. Por detrás de tudo, agiu na sombra o Governo Sócrates. O Conselho irá consumar tudo a 10 de Março. Mas, de surpresa, nesta segunda-feira [14/02/2011], na manhã do debate em Estrasburgo, o Conselho inventou logo, em Bruxelas, uma votação para isolar Espanha e Itália, cujos governos lutam e não se rendem à golpada. O cerco pesou no Parlamento Europeu. E o Governo Sócrates entregou logo ali os pontos — terão sido a ministra Alçada ou o ministro Gago os agentes da rendição. Desde Novembro passado — tornou-se totalmente claro — que o Governo Sócrates acarinha e impulsiona, nas “costas do Povo”, como se dizia, e no segredo dos corredores de Bruxelas, esta manobra contra a Língua Portuguesa e os nossos direitos, sem nunca ter trazido o assunto à Assembleia da República. O Governo violou continuamente o dever legal de informação parlamentar. Não houve ainda ocasião de apreciar a proposta de Resolução do CDS, que Governo e PS bem conhecem. E, apesar do que se passou há pouco com o Acordo de Londres, nenhum escrúpulo democrático e de transparência atrapalha Sócrates e os seus. É a traição-na-hora, a golpada simplex.
O português está a ser lançado pelo cano abaixo no regime europeu da propriedade industrial. Usei palavras como atropelo, truque, manobra, golpada, traição. Não sei se disse de menos, se de mais. Diga antes o leitor como chama a isto.
Como podemos defender internacionalmente a língua portuguesa com actores deste calibre? Como defender Portugal, se o Governo abandona? Em segredo e em silêncio. Como fazer, se, com excepção do CDS, do PCP e alguns poucos do PSD, os nossos deputados não se batem? Como chama o leitor a isto?
In jornal i de 14 de Fevereiro de 2011.