Uma reflexão e um voto de confiança no estatuto universal da língua portuguesa — é o que propõe Ribeiro e Castro.
O desafio continua a ser afirmar o português como uma das principais línguas de comunicação global da Europa
Quando, no fim de Setembro, Bruxelas celebrou o Dia Europeu das Línguas, aqueles que, lusófonos, seguimos de perto os labirintos do multilinguismo na União Europeia tínhamos motivos para olhar o futuro com maior esperança: na última comunicação sobre o tema, intitulada Multilinguismo: uma mais-valia para a Europa e um compromisso comum e aprovada a 18 de Setembro, a Comissão Europeia acolheu as teses por que me tenho batido desde há anos e que abrem perspectivas a que o português seja reconhecido e tratado não apenas como nosso, nem apenas da lusofonia, mas como língua da Europa.
Sendo a segunda vez que escrevo sob este título [O português, língua da Europa, PÚBLICO 17.11.2006], há que recapitular brevemente a tese e o problema.
Eu não creio que o estatuto universal da língua portuguesa esteja, nesta altura, em perigo imediato. Não por aquilo que tenhamos feito, pois temos feito pouco ou nada. Mas pelo peso crescente, demográfico e económico, de países como o Brasil e outros de independência mais recente, com destaque para Angola – a todos importa, aliás, convocar cada vez mais para uma política e uma estratégia da nossa língua comum. Porém, o estatuto europeu da língua portuguesa está debaixo de ameaça evidente, no meio do magma da UE. E se nós, portugueses – os lusófonos europeus –, não fizermos o bastante para defender e valorizar o estatuto europeu da nossa língua, então, a prazo, o seu estatuto universal poderá ser posto em risco: bastaria, para tanto, que os povos que connosco partilham a mesma língua viessem a perceber que mesmo para falar com a Europa, ou a Europa com eles, de nada lhes serviria o português.
Daí, a luta pelo português nesta perspectiva: o português, como língua da Europa, língua de comunicação global entre a Europa e outros continentes; e não apenas o português em óptica intra-europeia, a par das outras 22 línguas oficiais da União, onde a estatística pesa contra nós.
Afirmar o conceito de "línguas europeias de comunicação universal", de que o português é a terceira – hoje, prefiro a expressão "línguas europeias globais" –, tem sido a luta que animo desde 2002, muitas vezes com bem pouca compreensão e apoio, a começar pelo meu próprio partido. Quando presidente do CDS, há episódios caricatos que recordo e que dizem bem da distância espantosa a que muitos dos principais interessados (os jornalistas, por exemplo) estão (ou estavam) do problema. Mas desse tempo em que procurei puxar o tema para a agenda e o tratei várias vezes quer com o presidente da República, quer com o primeiro-ministro, além do presidente da Comissão Europeia e do comissário do pelouro, alguma coisa ficou. Aplaudo os esforços do presidente, de que são sinais públicos mais evidentes um discurso na visita oficial a Moçambique, o relevo dado ao tema na nossa presidência da CPLP ou os esforços recentes na Assembleia Geral da ONU. E também o Governo evoluiu alguma coisa, como se lê das prioridades afirmadas pelo novo ministro da Cultura ou da encomenda do estudo sobre o valor económico da língua – algo que também pedira e que é indispensável num tempo em que tudo o que não cabe em percentagens do PIB, infelizmente, parece não existir. Uma evolução que também se sentiu na acção da nossa Reper em Bruxelas, que me pareceu, por estes dias, bem mais atenta, interessada e informada do que há anos atrás.
O que fez, então, a Comissão Europeia? Dos esforços que fiz directamente nos últimos meses, fez tudo o que poderia esperar-se: incluiu no seu texto e na proposta de políticas as linhas que já conseguira que o Parlamento Europeu consagrasse há exactamente dois anos.
A Comissão começa por destacar como "a diversidade linguística pode representar uma mais-valia preciosa, sobretudo tendo em conta o mundo globalizado em que vivemos hoje". Põe em evidência como "algumas das línguas oficiais da UE são utilizadas em todo o mundo". Valoriza que estas línguas europeias, em especial, "podem constituir uma valiosa ferramenta de comunicação para as empresas", ao mesmo tempo que menciona expressamente o Brasil entre os principais mercados emergentes. E afirma ainda, para o futuro, o compromisso da Comissão Europeia em "desenvolver parcerias e melhorar a cooperação no domínio do multilinguismo com países terceiros, tomando em consideração as oportunidades oferecidas pelas línguas europeias que têm uma dimensão mundial."
Terminando com chave de ouro, remete expressamente para o texto do Parlamento Europeu, citando "a importância estratégica das línguas europeias de comunicação universal" e a recomendação de que este conceito seja "uma das principais directrizes da política europeia em matéria de multilinguismo". Isto, depois de chamar a atenção para o facto de "algumas línguas da UE, referidas como línguas europeias de comunicação universal, serem também faladas num grande número de Estados não membros, em diferentes continentes", constituindo "uma ponte importante entre os povos e as nações das diferentes regiões do mundo".
Importa agora não andar para trás. Desde logo, quando o Conselho, em breve, apreciar o documento. Depois, quando o Parlamento Europeu – num relatório que está em boas mãos, as de Graça Moura – voltar a pronunciar-se sobre o tema, em 2009. Mas importa sobretudo que o Governo saiba oportunamente tirar todos os efeitos desta linha de política europeia, concretizando o português como uma das línguas da nova diplomacia europeia emergente e (a parte mais difícil e decisiva), ampliando progressivamente no espaço da UE o ensino da nossa língua como segunda, terceira ou quarta língua de aprendizagem escolar.
O desafio, para ganhar, continua a ser esse, com visão e com esforço: afirmar o português como uma das principais línguas de comunicação global da Europa.
in Público, 16 de OUtubro de 2008