Os livros em formato digital põem as livrarias e bibliotecas de todo o mundo ao alcance de quem vive à margem dos grandes centros urbanos, defende Ana Sousa Martins nesta crónica originariamente elaborada para a rubrica "Palavrar" do programa Páginas de Português, na Antena 2.
Acho que qualquer pessoa consegue fazer o levantamento das vantagens e desvantagens do e-book por oposição ao livro em papel.
O e-book não pesa, nem ocupa espaço físico, não tem ácaros, podemos aumentar o tamanhos das letras com os dedos, podemos ler no escuro, são interativos, podemos tocar numa palavra e abre-se a entrada de dicionário para aquela palavra, podemos ler o mesmo e-book em vários dispositivos móveis, etc.
Por sua vez o livro não avaria, não precisa de bateria, pode ser um objeto artístico ou decorativo, pode ter notas manuscritas, dedicatórias, enfim, marcas pessoais e afetivas, de que o e-book, sem cheiro, nem tato, está completamente desprovido.
Mas agora vou-vos dizer duas razões por que praticamente deixei de comprar livros em papel:
Uma razão é porque passo a vida a perder livros, porque os empresto, porque não consigo pôr ordem nas estantes. No outro dia perdi bastante tempo à procura dos contos de Eça de Queirós, até que, com os dedos cheios de pó, decidi ir à Amazon descarregar o livro, gratuitamente. E pronto, já não o vou perder mais.
A outra razão é mais forte. Prende-se com o facto de eu poder comprar livros que acabaram de ser lançados por uma editora em Nova Iorque, por exemplo. Eu, que vivo no Portugal rural, posso comprar qualquer artigo de uma prestigiada revista científica, quando antes isso me estava vedado, porque tinha de me deslocar às bibliotecas das principais universidades europeias e americanas. Deste ponto de vista, o acesso digital ao texto escrito é um fator inestimável no que toca a dar a todos as mesmas condições de acesso ao conhecimento. E nestas condições em que há mais gente a ter acesso ao que antes só era dado a alguns há mais condições para um aumento exponencial de novas criações, novas ideias, novas soluções.
Esta questão da marginalização espacial é uma coisa séria e muito sentida por quem vive fora das grandes cidades: imaginem que Maria Callas tinha nascido em Carrazeda de Ansiães. Algum dia viria a ser Maria Callas? Claro que não. Imaginem que em Vila Pouca de Aguiar nascia hoje alguém com potencial para vir a ser um grande escritor? Conseguirá sê-lo? Talvez, se um dia lhe derem um tablet.
rubrica "Palavrar" do programa Páginas de Português (Antena 2)