Sobre o papel das "metáforas conceptuais" na caracterização da crise económica mundial — um artigo de Ana Martins no Sol.
Quando Manuela Ferreira Leite era ministra das Finanças, referiu-se, várias vezes, a certos indicadores económicos como sintomas de uma doença que estava a ter tratamento.
Formulações deste tipo costumam ser catalogadas como meras figuras de retórica, mas a verdade é que a linguagem metafórica não é apenas um modo poético ou retórico de construir significado; é sobretudo um reflexo, na língua, de como actua o nosso pensamento. Foram George Lakoff e Mark Johnson, na obra Metaphors We Live By (1980), que evidenciaram o papel da metáfora na estruturação cognitiva que fazemos da realidade, o que influencia o modo como experienciamos o real e interagimos com os outros.
Basta reparar nos termos em que esta crise financeira mundial é recorrentemente expressa para perceber que ela é conceptualizada como se de uma doença se tratasse.
Há as causas da doença:
«… fazendo temer que o coágulo no sistema circulatório da economia era maior e muito mais difícil de tratar» (Público, 24/10/08); «[crises] normalmente associadas ao estouro de bolhas» (Expresso, 11/10/08).
Há os agentes patológicos:
«… compra dos chamados "activos tóxicos"» (Público, 15/10/08).
E há a administração de fármacos:
«França injecta 10,5 mil milhões de euros nos seis maiores bancos do país» (Público, 20/10/08).
Não há nenhum leigo em Economia e Finanças que não saiba, no que toca a dinheiro e produção de riqueza, que estamos a atravessar um processo de dor, sofrimento, agonia, que culminará ou na recuperação ou na morte.
Artigo publicado no semanário Sol de 31 de Outubro de 2008, na coluna Ver como Se Diz.