Vasco Graça Moura, dirigindo-se à troika que impôs medidas restritivas no combate à crise económica e financeira que assola Portugal, insiste na tese de a aplicação do Acordo Ortográfico de 1990 acarretar prejuízos elevados.
O chamado Acordo Ortográfico (AO) contém defeitos gravíssimos, altamente lesivos da língua, da identidade e da cultura nacionais, cujos valores são protegidos na Constituição da República e no Tratado de Lisboa.
O AO acaba com a ortografia da língua portuguesa na sua variante euro-afro-asiática, utilizada por mais de 50 milhões de seres humanos.
A sociedade civil tem-se manifestado vigorosamente contra o AO que, embora subscrito por oito países, não foi ainda ratificado por Angola e Moçambique, decorridos mais de 20 anos sobre a sua assinatura!
Falta-lhe portanto uma condição essencial de validade jurídica.
De resto, falta ainda um pressuposto da sua aplicação: o vocabulário ortográfico que o próprio AO exige e que deve ser elaborado com intervenção de todos os signatários.
A alteração de uma grafia perfeitamente estabilizada desde 1945 em nada vai ajudar à aprendizagem, à formação, à qualificação ou ao sucesso profissional dos portugueses.
A aplicação do AO nas escolas vai corresponder a um terrível e desnecessário aumento da despesa do Estado e das famílias.
Pretende-se tornar obrigatória essa aplicação em 2015.
A transição forçada em curso coincide agora com os 3 anos previstos no memorando que Portugal negociou com a troika.
Nesse mesmo período, as famílias dos 1 256 462 estudantes do ensino básico e dos 483 982 estudantes do ensino secundário vão ter de desembolsar rios de dinheiro na aquisição de novos dicionários, livros e manuais escolares.
As editoras sofrerão graves prejuízos porque, mesmo renovando periodicamente as suas publicações, não podem deixar de ter consideráveis existências em armazém (v.g., dicionários). De resto, não vão esperar por 2015. Já começam a produzir os livros segundo o AO e não poderão ficar 3 anos sem os vender.
Não se podem reduzir os custos suplementares das novas edições aos da mera utilização de um conversor ortográfico. Nem este é uma espécie de micro-ondas em que os livros, objectos físicos, sejam metidos para saírem "actualizados" poucos minutos mais tarde. Nem a impressão, o papel, a mão-de-obra, as artes gráficas, os acabamentos, etc., saem a um milagroso custo zero na produção de livros de substituição...
Só por má-fé, falácia ingénua, obediência a lobbies ou razões inconfessáveis, se pode supor 0que a transição de uma ortografia para outra se fará, a partir de agora, sem problemas financeiros e educativos em cascata.
Havendo divergências de grafia, Portugal perderá uma parte importante da sua exportação de livros para Angola e Moçambique, a qual é muito significativa nas exportações para esses países.
Serão incomportáveis os custos da renovação dos acervos das 2 402 bibliotecas escolares existentes e a reedição das obras constantes do Plano Nacional de Leitura. E haverá os custos dramáticos do bloqueamento puro e simples da leitura, por opções pedagógicas ou por confusões insuperáveis, sobretudo nos mais jovens, devidas à divergência das grafias.
Acresce a formação de professores para aplicação do AO nas escolas, desviando os docentes de outras ocupações bem mais importantes e implicando a criação de formadores.
Milhões e milhões de livros e outros materiais escolares vão ser ingloriamente deitados ao lixo só por terem um c ou um p "a mais" numa série de palavras!
O Estado investe e comparticipa na aquisição de livros escolares. Vai ter mais despesa. Mas nada (custos directos e indirectos implicados pela aplicação, valor astronómico da riqueza destruída, outras perdas) foi objecto de estudo quantificado e sério por parte das autoridades portuguesas!
Isto é escandaloso numa altura em que as despesas das famílias com a educação já rondam os 1 400 milhões de euros; as da acção social escolar no ensino não superior, no tocante ao apoio sócio-económico, os 51 000 milhões; as das câmaras municipais, só na parte relativa a publicações e literatura, 136 000 e 15 700 milhões, entre despesas correntes e de capital.
Voto no PSD e apoio o Governo. Mas leio no seu programa esta coisa de estarrecer: "o Governo acompanhará a adopção do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa garantindo que a sua crescente uni- versalização constitua uma oportunidade para colocar a Língua no centro da agenda política, tanto interna como externamente."
No centro da agenda política, eu prefiro ver o combate ao desemprego à institucionalização do desperdício...
Não se podem despender exorbitâncias com o AO, enquanto o 14.º mês é onerado com mais um imposto brutal!
A troika impôs a drástica redução do défice e uma racionalização de despesas que também abrange a educação.
Espera-se portanto que intervenha!
Argumentos inexactos sobre a aplicação do Acordo Ortográfico
In Diário de Notícias, de 6 de Julho de 2011.