«Portugal assentou oficialmente na necessidade de revisão do Acordo Ortográfico. Isso deveria levar à suspensão dele», sustenta Vasco Graça Moura, a propósito do que, sobre o tema, consta na declaração da VII reunião de ministros da Educação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, realizada em Luanda. Artigo publicado no Diário de Notícias de 11/04/2012.
Na VII reunião de ministros da Educação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa não ocorreu a nenhum dos presentes invocar o famigerado segundo protocolo modificativo do Acordo Ortográfico, em que algumas luminárias se baseavam, para sustentar que ele tinha o condão de fazer vigorar o que não estava em condições para tal.
A evidência era gritante: se esse protocolo, soi-disant dispensador de mais de três ratificações, não tinha sido ratificado por todos os Estados signatários, também não estava, nem está, em vigor na ordem jurídica internacional1 e muito menos nas ordens jurídicas nacionais... Agora ficou claro que este entendimento é pacífico.
A declaração refere a existência de constrangimentos, que podem de futuro «dificultar a boa aplicação do Acordo», e de estrangulamentos no processo de ensino e aprendizagem (não se percebe muito bem em que consistam, mas é certo que eles não se verificam pelo menos em Angola e em Moçambique, onde o AO não está a ser aplicado...).
Com data de 29.3.2012, podemos ler no Blog2 da Casa Civil do Presidente da República de Angola que Angola protela a adopção do novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, porque pretende estudar e avaliar uma série de aspectos de conteúdo, no sentido de acautelar as implicações no sistema educativo nacional. O AO continua a ser avaliado, para que «no caso de ser ratificado» (note-se bem: no caso de...), «o mesmo não cause dificuldades ao sistema educativo em vigor no país». E aponta-se a falta de preparação dos alunos, professores e as implicações que têm a ver com a produção de materiais didácticos, como alguns factores que condicionam a adesão de Angola ao novo acordo.
Acresce um ponto verdadeiramente enigmático na declaração final do encontro: o reconhecimento da «necessidade de se estabelecer formas de cooperação entre a Língua Portuguesa e as demais línguas em convívio nos Estados membros». O que é que isto quer dizer? O que é cooperação entre línguas? Quais são as línguas em questão? O francês na África Ocidental? O inglês na África Austral? As várias línguas nativas a leste e a oeste?
O significado profundo desta coisa traduz provavelmente a confissão envergonhada, por parte do neocolonialismo luso-brasileiro, de que o AO não dispõe absolutamente nada para a grafia de vocábulos das línguas nativas que tenham sido incorporados no português. Se é este o sentido útil desse ponto, isto significa o reconhecimento, por todos os governos, de que, também por esta razão, o AO não pode ser aplicado enquanto não for alterado!
Por outro lado, a declaração reconhece a inexistência3 de vários vocabulários ortográficos nacionais e, ipso facto, a inexistência do vocabulário ortográfico comum da língua portuguesa exigido pelo AO, o qual deveria arrancar daqueles e ser elaborado com a participação de todos os estados membros.
Fala-se depois na necessidade de desencadear acções que diagnostiquem os tais constrangimentos e estrangulamentos na aplicação do AO (volto a perguntar o que será um estrangulamento na aplicação do dito?) e redundem numa «proposta de ajustamento» do mesmo AO.
Ou seja, a declaração final reconhece implicitamente que não tem pés nem cabeça o que se afirma, quanto ao vocabulário ortográfico do ILTEC e quanto ao segundo protocolo modificativo, nas letras gordas da leviana resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011, do Governo Sócrates: nenhum vocabulário ortográfico nacional pode substituir o vocabulário ortográfico comum que o AO exige e o tal protocolo nunca entrou em vigor.
De resto, o melhor reconhecimento de que essa resolução 8/2011 vale zero vírgula zero, resulta, desde logo, de não haver sombras do AO na ortografia da declaração final. Ninguém, nem mesmo o Governo português, a quis aplicar...
Tudo isto significa que Portugal assentou oficialmente na necessidade de revisão do AO. E isso deveria levar à suspensão dele, por não fazer sentido que, enquanto tais acções de revisão e correcção estiverem em curso, se aplique entre nós o que, além de não estar em vigor, ainda não se sabe se vai ser aplicado, nem quando, nem onde, nem em que termos; nem se, afinal, é para todos, ou para ninguém.
1 Não é essa a interpretação de vários juristas, como é o caso do constitucionalista Vital Moreira e de Fernando Guerra.
2 Blog já se encontra aportuguesado: blogue.
3 O Vocabulário Ortográfico Comum encontra-se já em preparação no âmbito do Instituto Internacional da Língua Portuguesa, esperando-se que esteja pronto em julho de 2014, como garantiu o seu diretor executivo Gilvan Müller de Oliveira. Recorde-se que é com base no Vocabulário Comum da Língua Portuguesa que assentarão os vocabulários de cada país da CPLP.
In Diário de Notícias de 11 de abril de 2012. Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.