DÚVIDAS

Um óculo e o par de óculos

Sempre me insurjo contra maus usos da nossa língua, como no caso em que está sendo muito utilizada a expressão: «um óculos...!». Corrijo sempre e uso a analogia de «calças», pois a ninguém ocorreria dizer «a minha calças...».

Notem bem: vivo no Brasil e, aqui, o vício na expressão é tão rapidamente aceito como norma e «evolução», que, por vezes, as minhas verdadeiras convicções ficam abaladas... Conhecidos «professores» locais admitem a estranha forma e, no máximo, dizem-na «polémica» ou «controversa».

Devo comprar «um óculos novo» para melhor ver?

Resposta

É uma palavra que vem do latim oculu, que significa olho. (Certos estavam os colegas de escola que chamavam os portadores de óculos de quatro-olhos). A utilização da forma «o óculos» constitui um erro de concordância. O motivo do surgimento deste erro, que é comum, tem que ver com dois factores. O primeiro motivo é o que alguns chamam de concordância ideológica, o que significa que o procura-se que tenha concordância com a ideia da coisa - trata-se de um aparelho composto por duas peças - e não com o número da coisa.

A segunda razão está ligada à própria formação da população brasileira, em que existe uma forte componente de pessoas de origem italiana. No italiano, os plurais não são compostos pela terminação em esse, mas em i. A contaminação resultante dessa mistura - normalmente se utiliza não uma das duas normas, mas um meio termo - provocou situações como a caricatura do falar paulista. O habitante de São Paulo é aquele que vai a uma pastelaria e pede «um chopps e dois pastel».

Esse erro espalha-se por uma razão política: os locais de poder - no caso de São Paulo, o principal centro económico-financeiro do país - tendem a determinar costumes tanto no dia-a-dia quanto no falar. Na mentalidade colectiva, quem tem maior poder económico está mais «certo» no que fala, e identificar-se com a sua forma de falar é um meio de partilhar esse poder.

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