Nesta obra de Júlio Dinis, José das Dornas, ao referir-se ao seu filho Daniel, afirma que ele «já não é assim», ou seja, não é como o irmão, Pedro. Acrescenta que ele é como a mãe («aquilo é outra mãe») e que «um dia de ceifa é bastante para mo matar», revelando que o jovem é frágil, não aguentando o trabalho de um dia a ceifar.
A forma mo é a contracção de dois pronomes pessoais: me e o. O pronome me aqui é o chamado “pronome de interesse” ou “dativo ético ou de proveito”, não desempenhando qualquer função sintáctica. Trata-se de um recurso expressivo que se emprega quando se pretende evidenciar o interesse que o emissor tem no assunto. No caso desta frase, o que acontecesse ao filho (morrer) era como se lhe acontecesse a ele, pai.
Poderia ter sido utilizada a frase «Um dia de ceifa é bastante para o matar», mas nesta frase não se notaria a preocupação do pai em relação ao filho.
Termino registando uma frase que em criança por vezes ouvi minha mãe dizer a meu pai, quando eu corria despreocupadamente, a brincar, debaixo de sol: «Este sol vai-me dar cabo dela.» E chamava-me, para me pôr o chapéu na cabeça. O carinho, a preocupação da mãe em relação à filha (neste caso) levava-a a empregar esse “me”: o que acontecesse à filha é como se lhe acontecesse a ela, mãe.