Um texto épico é um tipo de composição literária, geralmente em verso, que celebra os feitos de um herói, imortalizando-o. Se remetermos para a epopeia, não podemos esquecer-nos de que se trata de poema narrativo extenso, que «exprime a exaltação de um acontecimento memorável e extraordinário, capaz de interessar a um povo ou mesmo à própria humanidade, veiculando uma visão heróica do mundo.» (Biblos, Enciclopédia das Literaturas de Língua Portuguesa, vol. VII, Lisboa/São Paulo, Verbo, 1999, pp. 342-3). Situando-se a acção num passado histórico de glória, o presente surge como resultado consequente desse passado mítico, que se projecta, por sua vez, no futuro. Como trata de assuntos grandiosos, o «poeta épico, sem se opor à verdade histórica, embeleza-a com artifícios poéticos», construindo um discurso que «resulta desta constante tensão entre a função referencial da linguagem – evocação verbal dos acontecimentos históricos – e da sua função poética». Assim, o texto épico caracteriza-se pelo facto de deter esse duplo estatuto – narrativo e poético – e de o seu herói, «qualquer que seja a sua origem, apresentar afinidades com os deuses ou heróis mitológicos, pretendendo deste modo escapar à sua condição humana, e impondo-se como um ser superior, de qualidades excepcionais, capaz de executar feitos extraordinários, gloriosos e singulares, e representando um paradigma de comportamento e actuação para os ouvintes/leitores.» (p.343)
Sendo um texto de exaltação das virtudes de um determinado herói (individual ou colectivo, real ou fruto da ficção), a teorização literária renascentista considera «a epopeia como a forma poética mais nobre e mais grandiosa, adequada à celebração dos grandes feitos e conquistas do homem renascentista, como o género mais nobre entre todos quantos o cânone literário havia consagrado desde os Poemas Homéricos» (p. 307)), o que vai influenciar Camões, levando-o à produção de Os Lusíadas, uma vez que a realidade portuguesa da altura («a consciência da excepcionalidade das proezas militares e das navegações dos Portugueses) impunham-se pelo seu interesse universal e humanístico». A matéria de Os Lusíadas encontra na epopeia a forma literária mais adequada para imortalizar os feitos e as virtudes que caracterizam o herói colectivo, o «peito ilustre lusitano».
Embora Os Lusíadas seja o grande poema épico português de exaltação nacionalista, houve outros poemas épicos que se lhe sucederam, tendo em comum «o mesmo objectivo de exaltar as glórias nacionais passadas, principal suporte do orgulhoso espírito de autonomia, mesmo em período de crise». É exemplo disso a obra de Fernando Pessoa Mensagem que, dando continuidade à poesia épica, pois «é marcada por um tom messiânico, a profetizar a renovada grandeza da pátria, mediante a instauração do Quinto Império» (p. 311), vai destacar-se também como criação poética que é expressão da subjectividade do sujeito poético, evidenciando marcas do texto lírico. Como apresenta características desses dois géneros/modos literários, é atribuída à Mensagem o estatuto de texto épico-lírico. Citando Jacinto do Prado Coelho (Dicionário de Literatura), «a poesia da Mensagem é uma poesia épica sui generis, melhor diríamos epo-lírica, não só pela forma fragmentária como pela atitude introspectiva, de contemplação no espelho da alma, e pelo tom menor adequado. […] Dum modo geral interioriza, mentaliza a matéria épica, integrando-a na corrente subjectiva, reduzindo essa matéria a imagens simbólicas pelas quais o poeta liricamente se exprime. Há assim na Mensagem uma dupla face de tédio e ansiedade, de céptica lucidez e intuição divinatória.»
Tanto o texto épico com o texto épico-lírico têm sido aqui tratados, tendo como referência Os Lusíadas, de Camões, e Mensagem, de Fernando Pessoa, porque estas são as obras nacionais mais representativas desses dois textos. De qualquer forma, importa ter sempre em conta que o texto lírico se caracteriza como a forma literária centrada na subjectividade, como «modalidade de expressão que escapa aos preceitos da imitação» (p. 78), o que o distingue da poesia épica ou narrativa, pois enquanto a poesia épica ou narrativa «se centra na terceira pessoa e na função referencial», o lirismo define-se, antiteticamente, pela presença dominante da primeira pessoa do presente e pela consequente hegemonia da função emotiva e da carga patética que ela envolve.» (p.80)
Mas, apesar de lírico e épico serem definidos como textos antitéticos, a Mensagem provou que é possível criar uma obra que contenha as duas formas literárias, sabendo conciliar a matéria épica de exaltação de um passado heróico com a expressão lírica da atitude intencionalmente introspectiva, evidenciando-se como texto poético épico-lírico.