DÚVIDAS

Tantas vezes menor

Ouvi ontem de uma pessoa que trabalha com números que existe uma impropriedade, até mesmo um erro, em dizer que alguma coisa é tantas «vezes menor» que outra.
Isso não tem lógica, pois «vezes» só pode ser usado no sentido de adição, de maior.
Isso procede? Não consegui encontrar nada em meus livros.
Mas sendo assim, não seria redundância dizer que uma coisa é tantas vezes «maior» que outra? Pois, se vezes já implica o sentido de maior, não há por que repetir.
A solução proposta por esse profissional foi que devemos usar fração (tal coisa é um quinto de outra) ou inverter a posição na frase: Em vez de dizer que Portugal é 30 vezes menor que o Brasil (em hipótese), temos que dizer que o Brasil é 30 vezes maior que Portugal.
É uma dúvida grande, pois matematicamente acredito que faça sentido. Mas a lógica matemática é a mesma da língua?

Resposta

Tem muita razão na dúvida que apresenta. E é tão difícil responder — responder certo! Conseguirei? E tal dificuldade é devida àquela particularidade a que a nossa prezada consulente se referiu, quando perguntou: «Mas a lógica da matemática é a mesma da língua?».

A lógica da matemática é a lógica do pensamento; e, no seu desenrolar, segue, determinado caminho.

A lógica da linguagem é também a lógica do pensamento; mas, no seu desenrolar, segue, por vezes, caminho diferente. Seja a seguinte frase:

1) Fulano teve morte feliz.

Onde está a lógica? Alguém poderá conceber uma morte feliz ou infeliz?

Analisando esta frase com lógica matemática, isto é, observando o significado de cada palavra e «somando-as», isto é, ligando-as na sua sequência, estamos em presença duma frase sem nexo, inteiramente ilógica, sem pés nem cabeça. Esta frase, dita «matematicamente» certa, seria assim, por exemplo:

2) Fulano foi feliz na morte que teve.

Quase o dobro das palavras da frase 1):

Na lógica da linguagem, seguimos caminho diferente: interpretamos a frase na sua globalidade, e não considerando palavra por palavra.

O ser humano é senhor de vários saberes. E assim, há o saber da matemática, o da medicina, o do comércio, o da carpintaria, etc. E cada saber, ou, se preferirmos, cada actividade tem a sua linguagem comum, a do dia-a-dia;

De facto, na linguagem da matemática, o vocábulo vezes só se usa no sentido da «adição» ou de «vezes maior».

Mas consideremos agora a linguagem comum. Suponhamos duas distâncias:

A —— B = 1 metro

C ——————— D = 5 metros

Se é que não é erro na linguagem da matemática (já lá vão umas dezenas de anos dessa escolaridade), dizemos que a distância de C a D é cinco vezes maior que a distância de A a B. Logicamente, diremos que a distância de A a B é cinco vezes menor do que a distância de C a D — isto, na linguagem coloquial, evidentemente. E dizemos menor, porque este vocábulo é o antónimo de maior. E é essa antinomia que se pretende evidenciar.

Parece, pois, que na linguagem coloquial (ou comum) podemos empregar à vontade, vontadinha, «tantas vezes menor». Ou, se quisermos, «tantas vezes mais pequeno/a».

Empregar uma ou outra linguagem depende, apenas, da intenção ou necessidade do emissor: rigor ou não rigor matemático.

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