O tempo histórico é «um tempo objectivo, delimitado e caracterizado por indicadores estritamente cronológicos atinentes ao calendário do ano civil — anos, meses, dias, sem esquecer em certos casos as horas —, por informações relacionadas ainda com este calendário, por dados concernentes a uma determinada época histórica» (Vítor Manuel Aguiar e Silva, Teoria da Literatura, Coimbra, Almedina, 1983, p.p. 745-746). Refere-se, assim, em primeira instância, «ao tempo matemático propriamente dito, à sucessão cronológica de eventos susceptíveis de serem datados com maior ou menor rigor» (Carlos Reis e Ana Cristina M. Lopes, Dicionário de Narratologia, Coimbra, Almedina, 1994, p. 406).
O tempo histórico é objecto privilegiado dos historiadores e, também, dos escritores (sobretudo de romances históricos) que, usando diferentes processos de mimese, se servem da escrita para reconstruírem o mundo, conscientes «de que o passado só nos pode chegar textualizado» (Maria de Fátima Marinho, O Romance Histórico em Portugal, Porto, Campo das Letras, 1999, p. 32). Uns e outros investem na tentativa de reproduzirem uma certa época, procurando enquadramentos verídicos, tentando explicar um universo longínquo.
Há grande atracção pelo passado histórico e, enquanto os românticos privilegiaram o tempo histórico medieval, actualmente verifica-se um interesse crescente por certos períodos da história (da queda da monarquia, das guerras mundiais, de determinados reinados, da ditadura, da colonização, da guerra colonial, das diásporas dos portugueses, dos êxodos…), marcados por realidades diferentes que fascinam aqueles que vivem um outro tempo. Repare-se na profusão de romances actuais centrados em determinados tempos históricos: Equador, de Miguel Sousa Tavares (o universo de S. Tomé e Príncipe nos finais da monarquia); Filipa de Lencastre, Catarina de Bragança e D. Amélia, de Isabel Stilwel; A Filha do Capitão, de José Rodrigues dos Santos (a realidade portuguesa no tempo da 1.ª Guerra Mundial); O Último Cabalista de Lisboa, de Richard Zimler (a perseguição, a conversão forçada e a fuga dos judeus de Portugal no reinado de D. Manuel); A Sombra do Vento, de Carlos Ruiz Zafón (o universo espanhol na ditadura de Franco); Os Pilares da Terra e Um Mundo sem Fim, de Ken Follet (o tempo da construção das catedrais em Inglaterra); A Casa dos Espíritos, de Isabel Allende (as três gerações das mudanças políticas no Chile); Geração da Utopia, de Pepetela (do nascer do espírito da luta pela independência de Angola à sua concretização); Nó Cego, de Carlos Vaz Ferraz (a guerra colonial em Moçambique); Memorial do Convento, de José Saramago (o universo português no absolutismo de D. João V); e tantos outros…