A tradição gramatical luso-brasileira é unânime quanto à existência de uma classe de verbos auxiliares. Porém, a lista de verbos que constituem essa classe varia de autor para autor. Assim, por exemplo, Cunha & Cintra (1984) dão como exemplos de verbos auxiliares os verbos ter, haver, ter de, haver de, ser, estar a, ir, andar a, ficar a, acabar de, ao passo que Evanildo Bechara (1999) apresenta uma lista maior, incluindo, para além desses, os verbos começar a, continuar a, precisar de, querer, desejar, pretender, ousar, tentar, odiar e conseguir.
Esta ausência de unanimidade decorre, segundo os sintaxistas, da falta de consistência dos critérios de auxiliaridade.
Posto isto, uma vez que nem a definição do termo auxiliar, nem os critérios de auxiliaridade encontram consenso entre os gramáticos, esta minha resposta está longe de ser uma resposta satisfatória e definitiva.
Não obstante, apresento de seguida alguns critérios de auxiliaridade em português propostos por alguns sintaxistas contemporâneos, que defendem que a caracterização da classe dos verbos auxiliares deve ser feita com base em critérios estritamente sintácticos.
De modo a testar se o verbo conseguir se comporta como um verdadeiro verbo auxiliar, o mesmo será analisado em contraste com um verbo tipicamente auxiliar — estar a.
1. Os verbos auxiliares não podem coocorrer com orações completivas finitas
(1) * «O João está a que a Ana vai à festa.»
(2) «O João conseguiu que a Ana fosse à festa.»
Conclusões: O verbo estar não pode coocorrer com uma oração completiva finita, pelo que é considerado um verdadeiro auxiliar. O verbo conseguir, pelo contrário, permite a coocorrência com uma oração completiva finita, logo, parece afastar-se da classe dos auxiliares.
2. Os verbos auxiliares não admitem negação no domínio encaixado
(3) «O João não está a estudar.»
(4) * «O João está a não estudar.»
(5) «O João não conseguiu resolver o exercício.»
(6) «O João conseguiu não soluçar.»
Conclusões: Com o verbo estar, a negação deve preceder todo o complexo verbal, pelo que estamos perante um verbo auxiliar. Pelo contrário, com o verbo conseguir, é possível negar o predicado encaixado, logo, presume-se que não possa ser considerado um verbo auxiliar.
3. Os verbos auxiliares não impõem restrições semânticas ao seu sujeito
(7) «Está a chover.»/«A bola está a rebolar.»
(8) * «Conseguiu chover.»/* «A bola conseguiu rebolar.»
Conclusões: O verbo estar não impõe restrições de natureza semântica ao sujeito da frase, o que corrobora em favor da perda do valor semântico dos verbos auxiliares. O verbo conseguir, pelo contrário, exige que o sujeito tenha o traço [+ ser vivo]. Presume-se, portanto, que não deva ser considerado um verbo auxiliar.
4. Os verbos auxiliares não podem coocorrer com o pronome verbal demonstrativo o
(9) * «O João está a resolver o exercício, e a Ana também o está.»
(10) «O João conseguiu resolver o exercício, e a Ana também o conseguiu.»
Conclusões: Com verbos auxiliares, não é possível substituir o domínio encaixado pelo pronome demonstrativo o, o que prova que existe uma unidade sintáctica entre o primeiro verbo e o segundo.
5. Os verbos auxiliares não permitem a ocorrência de modificadores com informação temporal diferente da codificada no verbo
(11) * «O João está a entrevistar o presidente amanhã.»
(12) «O João consegue entrevistar o presidente amanhã.»
Conclusões: Com verbos auxiliares, a localização temporal da situação descrita no domínio encaixado depende do tempo do domínio matriz; com verbos não auxiliares, pelo contrário, verifica-se independência temporal do complemento infinitivo.
Conclusão: Os verdadeiros verbos auxiliares, como estar, formam uma unidade sintáctica com o verbo principal, o que prova que constituem um único domínio frásico. O verbo conseguir, pelos critérios acima descritos, parece afastar-se da classe dos auxiliares. O seu complemento verbal parece ter autonomia sintáctica, o que nos leva a crer que estamos perante um domínio frásico independente do domínio matriz (ou principal).
Bibliografia consultada: Anabela Gonçalves, Verbos Auxiliares e Verbos de Reestruturação do Português Europeu. Lisboa: Faculdade de Letras.