Há injustiça nas suas apreciações, como português, sobre o novo Acordo Ortográfico (AO). A verdade é que as mudanças no português europeu são muito mais significativas que no brasileiro. Em Portugal, inversamente, os opositores ao AO dizem que houve sujeição ao Brasil. Eu digo que houve cedências de parte a parte, para que possamos ter um dicionário comum.
Não percebi bem as suas objecções sobre os verbos que menciona. No verbo construir, nada mudou. No arguir, com exclusão do trema para o Brasil, escreveu-o tal qual se tem usado até hoje. O trema há muito que se dispensou em Portugal nas palavras portuguesas, da mesma maneira que muitas consoantes mudas foram dispensadas no Brasil.
Ora, quanto ao verbo arguir, eu é que faço algumas objecções na nova grafia recomendada pelo novo AO. De facto, argui («ele a.»), arguis («tu a.»), arguem («eles a.») deixam de ter acento. No meu ponto de vista, porém, no grupo gu ou no qu, o u, indissociável da consoante, ou é um símbolo que não se pronuncia ou tem o valor de semivogal quando não é tónico. É esta particularidade que não permite separar o u da vogal seguinte na translineação quando o u se pronuncia.
NO novo AO, assemelha-se a grafia de argúi à de intui, quando as características do grupo gu são peculiares, o que justifica a diferença entre, por exemplo, arguimos e intuímos (o novo AO tem delinquimos, logo será na nova regra arguimos, como tem sido sempre, incoerentemente porque se depreende que passa a ser arguís [vós], como delinquís [vós] no texto ).
Não creio que esta novidade, ao arrepio das decisões de bons vernaculistas anteriores, seja obra portuguesa.
Conclui-se:
Primeiro, que a inferioridade está agora do lado de Portugal. Se não podemos culpar os brasileiros por terem assim um amor tão grande à nossa língua, a ponto de apresentarem já um trabalho monumental sobre o novo AO, o que devemos é lamentar que não haja da nossa parte amor equivalente.
Em segundo lugar, lembra-se que aberto um precedente pelo Brasil em não respeitar o texto do acordo de 1990, também eu posso recusar em Portugal as novas formas do verbo arguir recomendadas pelo novo AO; e fica aberta a porta para uma disputa de alterações discricionárias ao texto do acordo, dado que em Portugal estamos sem rei nem roque.