Uso do imperativo
O parágrafo que destaca tem, na verdade, o verbo fazer no imperativo. Recordo que o imperativo do verbo fazer é faz (tu), fazei (vós). Caso seja necessário utilizar, com valor imperativo, outras pessoas do verbo, então recorre-se ao conjuntivo (que eu faça, que tu faças, etc.).
Uso da segunda pessoa
Se a frase fosse analisada do ponto de vista do Português Europeu, nada haveria a dizer (a não ser trocar a perifrástica estás fazendo por estás a fazer…). Efectivamente, creio que o uso da segunda pessoa do singular (tu) é mais comum deste lado do Atlântico, correspondendo, no Brasil, como a consulente refere, a uma característica que identifica algumas zonas.
Todavia, o uso, no mesmo período, de pessoas gramaticais diferentes nada tem de incorrecto de ambos os lados do Atlântico se na frase houver entidades distintas a ser designadas e a servir de sujeito. É o que acontece no parágrafo que cita. Vejamos:
«Quando (tu) tiveres terminado o teu trabalho faz (tu) o do teu irmão, ajudando-o com tal delicadeza e naturalidade que nem mesmo o favorecido (ele) repare que (tu) estás fazendo mais do que em justiça (tu) deves.»
Todos os verbos que se relacionam com a entidade a quem a mensagem é dirigida (o receptor, ou alocutário) estão na segunda pessoa do singular. Caso se optasse por utilizar a terceira pessoa do singular – forma verbal que acompanha a forma de tratamento você –, verificar-se-ia a necessidade de explicitar o sujeito para desfazer a ambiguidade a que a consulente foi sensível. Reescrevo a frase, tentando aproximar o discurso da norma brasileira. As minhas desculpas se falhar:
Quando tiver terminado seu trabalho faça o de seu irmão, ajudando-o com tal delicadeza e naturalidade que nem mesmo o favorecido repare que você está fazendo mais do que em justiça deve.
Estão em causa duas questões diferentes. Por um lado, o uso da segunda pessoa como forma de discurso directo; por outro lado, o uso de duas pessoas distintas na mesma frase. Se o uso da segunda pessoa no discurso directo é mais comum em Portugal do que no Brasil, já a possibilidade de empregar num mesmo período várias pessoas depende do sentido global da mensagem e do número de entidades que desempenhem a função de sujeito.
Creio que a grande dúvida da consulente terá advindo do facto de não ter identificado a forma verbal faz como imperativo e sim como presente do indicativo.