Pode parecer paradoxal, mas não encontrámos o termo ídola em nenhum dos dicionários1 com a indicação de que designaria o feminino de ídolo, tal como sucede com outras palavras registadas como «feminino de» determinado nome masculino. Não será, decerto, por acaso que os significados das entradas de ídolo evidenciam a generalização do conceito, retirando a especificidade do sexo: «imagem (estátua, figura, objecto) a que é prestado culto como a uma divindade»; «pessoa famosa que é objecto de culto»; «pessoa a quem se tributa grande veneração»; «pessoa que se considera um modelo a seguir»;«pessoa por quem se tem grande admiração ou adoração, a quem se prestam homenagens, em especial, artista de cinema ou teatro, cantor, desportista a quem o público dedica muita estima ou consideração».
Em pesquisa no Vocabulário Ortográfico do Português e no Lince – conversor para a nova ortografia — recursos oficialmente adoptados pelo Estado português), ambos desenvolvidos pelo Instituto de Linguística Teórica e Computacional (ILTEC) —, verificámos que «ídola não se encontra registada», sendo fornecidas as seguintes sugestões: «ídolo (nome) […], ídolos (do substantivo ídolo)». Assim, ídolo está atestado da seguinte forma, destacando-se as informações a nível da flexão (somente a formação do plural):
nome masculino
Singular ídolo
Plural ídolos»
Importa referir que o «VOP fornece informação sobre as características formais do léxico do português como a ortografia, a flexão e as relações morfológicas entre palavras. O VOP contém neste momento mais de 210 000 lemas e de 1,5 milhões de formas flexionadas», e «um dos principais objectivos do VOP é proporcionar ao utilizador um acesso rápido e fácil às palavras da língua. As dúvidas relacionadas com as palavras podem ser as mais variadas. […] Será que uma determinada palavra existe? Ao consultar a […] base de dados, é possível obter informação de caráter ortográfico, flexional, derivacional e sintá{#c|}tico. É também possível encontrar registadas diversas relações entre palavras […]».
A inexistência de registo de ídola nestes dois recursos e nos dicionários consultados contrasta com o facto de esta forma estar registada no Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), de Rebelo Gonçalves, como «s. f.» (substantivo feminino) e nos recentes Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (2009), da Academia Brasileira de Letras, e Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (2009), da Porto Editora, este último com a indicação «f. (feminino) de ídolo».
Repare-se que a forma feminina dos nomes/substantivos e dos adjectivos surge registada nos dicionários como tal, estando especificado o respectivo masculino. Por exemplo, o termo loba encontra-se atestado em vários dicionários com mais do que uma entrada, significando que tem diferentes sentidos («tumor»; «determinado jogo de cartas»; «terreno, junto de oliveiras, que tem de ser cavado, porque o arado não chega lá»; «batina de clérigo»; «veste talar preta usada por magistrados no exercício das suas funções»; «beca»), sendo um deles «fêmea de lobo». Do mesmo modo, surge o processo de formação da palavra embaixadora — «embaixador + a» — a indicar a formação do feminino de embaixador, assim como surge a indicação «masculino: judeu» a assinalar o vocábulo judia, significando «mulher natural da Judeia; a que segue o judaísmo», tal como em juíza é especificado o «masculino: juiz», estando explícita a situação da formação de um feminino: «magistrada que administra a justiça, tendo como função aplicar a lei; mulher que preside a uma festa ou função religiosa».
Por sua vez, ídolo é assinalado nos dicionários como «nome masculino», não havendo qualquer indicação sobre a existência de uma forma para o sexo feminino. É de referir, também, que Vasco Botelho do Amaral, em Glossário Crítico de Dificuldades de o Idioma Português, Porto, 1947, p. 530), nos apresenta o seguinte excerto em que ídolo ocorre: «Calcule-se que algum rapaz apaixonado, helenista cem por cento, se abeirava de uma rapariga, e lhe dizia: — Você é tudo para mim. É o ídolo do meu coração.»
Concluindo: o uso parece ter consagrado a forma ídolo (masculina) para designar uma pessoa (alguém) que se admira e que se venera, independentemente do seu sexo, apesar de esta palavra não estar incluída nos substantivos sobrecomuns, os «que têm um só género gramatical para designar pessoas de ambos os sexos [tal como]: o algoz, o apóstolo, o carrasco, o cônjuge, o indivíduo, o verdugo, a criança, a criatura, a pessoa, a testemunha, a vítima» (Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 13.ª ed., Lisboa, Sá da Costa, 1997, p. 196). No entanto, verifica-se que há outras opiniões sobre este caso, gerando polémica sobre a existência de uma forma de feminino.
1 Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, 2010; Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 2009; Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, 2001; Dicionário Verbo da Língua Portuguesa, 2006.