Nós é que agradecemos a cortesia com que sempre nos escreve. Vamos lá ver se o convencemos desta vez.
Como escrevo constantemente, a língua não se deixa estratificar, pois é receptiva à modelação que lhe vai sendo feita pelas várias gerações de falantes.
Para alguns dos utentes da língua, demais com o sentido de «excessivamente» ainda não é aceitável. Para outros, já entrou nos seus hábitos linguísticos; ora podemos condená-los por isso? Que mal vem para o idioma? Mais rebarbativa é a nova acepção dada a despoletar (na base: tirar a espoleta para que não dispare, desarmar), pois nos dicionários já aparece com uma acepção contrária ao sentido de base (ex.: Houaiss: também «desencadear, deflagrar»).
Pode dizer que os dicionários não fazem lei na língua. Pois não, mas quando são idóneos e estão actualizados, traduzem justamente a modelação que a língua vai tendo.
Já tivemos uma entidade respeitada para estabelecer a norma na língua: foi a Academia das Ciências de Lisboa. O seu completo Vocabulário de 1940 e, posteriormente, o Vocabulário Resumido fizeram lei.
O último trabalho considerado da Academia, de 2001, foi meritório na lufada de ar fresco em muitos termos cuja condenação pelos puristas já não se justificava, na abundância de exemplos, na novidade de trazer a fonia das entradas, na real actualização do idioma (sem a cópia habitual entre dicionários).
No entanto, independentemente de algumas falhas de falta de revisão, caiu no extremo de propor soluções pretensamente inovadoras, que foram inaceitáveis para as pessoas extremosas; e, sobretudo, enfermou de falta de uniformidade, critério base de um bom dicionário. Assim, a Academia desacreditou-se como entidade de normatização, e hoje pode-se dizer que estamos sem lei actualizada na língua.
De um lado, os conservadores agarram-se à história das palavras, para negarem a mudança; do outro, há investigadores na língua que consideram a necessidade de estudar sempre todos os novos desvios, mesmo estranhos, pois podem ser um sinal de `ressistematização´.
Sócio da Sociedade da Língua Portuguesa e colaborador de Ciberdúvidas, penso que estas entidades agregam especialistas de várias formações e de diferentes tendências na língua, sendo, por isso, para mim, uma referência no meio-termo de respeito pelo passado e abertura à inovação. Sensatez no estudo da língua em que também somos ajudados pelos já quase inumeráveis leitores que tão dedicadamente nos acompanham e nos aconselham.
Ora, à falta de imposição legal em contrário, eu entendo que demais, com o sentido de «excessivamente» que os nossos irmãos brasileiros lhe dão, aceite em Ciberdúvidas, é perfeitamente também legítimo em Portugal.
Continue a escrever-nos, apreciado companheiro de estudo.
Ao seu dispor,