A observação feita por Fernando Bueno e por Virgílio Dias relativamente à oração que foi classificada como consecutiva é não só pertinente, como acertada. A classificação da oração foi agora alterada, restando-me, desde já, apresentar as minhas desculpas pela insistência no erro, facto que explica a demora na retificação da resposta dada.
A frase em questão exprime um estado resultante da ação expressa na oração anterior, interpretando-se esse estado como consequência da causa referida anteriormente. Por essa razão, fui levado a classificar a oração como consecutiva, considerando que na oração «que se sentiu defraudada» estava subjacente um valor semântico idêntico a «de modo que se sentiu defraudada». Embora reconhecesse os obstáculos para tal classificação, dada a estrutura sintática da oração, considerei que haveria uma explicação (eventualmente estrutural) para o valor semântico da frase.
A linguista Ana Maria Brito, na Gramática da Língua Portuguesa, refere-se sucintamente a «orações explicativas com valor consecutivo», mas o caso em análise não se assemelha ao exemplo dado por aquela autora («Tenho uma casa [tal] que abriga muita gente»). Por outro lado, parece não se enquadrar também na noção de consecutivas de intensidade apresentada por Ana Maria Brito (Gramática da Língua Portuguesa, p. 755) para classificar «as orações iniciadas por que na dependência de palavras que exprimem a intensidade/a quantidade e que, por vezes, coincidem com as que exprimem o grau: tal, tão, tanto, tamanho». Isto é o que encontramos nas frases que Fernando Bueno apresenta – «correu tanto» e «era tão incisivo» – concordando, deste modo, as classificação que o consulente propõe com aquela que é apresentada na referida gramática.
Aliás, Ana Maria Brito, citando Joaquim Fonseca (Pragmática e Sintaxe Semântica das Consecutivas), refere outros valores semântico-pragmáticos, que caracterizam as orações consecutivas típicas, apresentados por este linguista:
– os enunciados são usados para a «asserção de encarecimento do estado de coisas configurado» na primeira proposição através da expressão de quantificadores/intensificadores;
– há uma orientação enfatizante, o que as aproxima das comparativas emblemáticas ou polares como alto como uma torre;
– a primeira proposição tem um carácter catafórico;
– os enunciados contendo consecutivas têm um claro valor argumentativo.
Dos valores semântico-pragmáticos acima referidos, parece que apenas o valor argumentativo seria admissível na frase em análise.
Ana Maria Brito admite, entre os adjetivos, verbos e advérbios que podem surgir em consecutivas, formas verbais que «exprimem mudança de estado, como emagrecer, envelhecer, empalidecer» ou, acrescento a partir das frases de Fernando Bueno, «cansar-se» e «ficar encabulada». Mas mesmo que pudéssemos considerar «sentir-se defraudada» como parte deste conjunto, como interpretar o que em «que se sentiu defraudada»? Como refere Virgílio Dias, é um elemento anafórico, diferente do que em «de modo que esta/a população se sentiu defraudada» , situação em que teremos necessidade de fazer a correferência usando esta ou a população. Assim, que funciona como pronome relativo e não como conjunção, de modo que a frase deverá ser classificada como relativa [explicativa].