A definição mais completa de homónimo que encontrei é a de Bechara, que diz, citando o Dicionário de Lingüística e Gramática, Ed. Vozes, 1977, na sua Moderna Gramática Portuguesa, Ed. Lucerna, 2001, 37. ª ed.:
«propriedade de duas ou mais formas, inteiramente distintas pela significação ou função, terem a mesma estrutura fonológica, os mesmos fonemas, dispostos na mesma ordem e subordinados ao mesmo tipo de acentuação.» (p. 403)
O mesmo autor diz também:
«Dentro da homonímia, alude-se, em relação à língua escrita, aos homófonos distinguidos por ter cada qual um grafema diferente, de acordo com o sistema ortográfico.» (ibidem)
Refere ainda, sempre com base no mesmo dicionário, que o conceito de homografia é artificial dado tratar-se de «formas que se escrevem com as mesmas letras mas correspondendo elas a fonemas distintos, pois já não se trata evidentemente de homônimos da língua, cuja essência são as formas orais» (ibidem).
Contrasta ainda polissemia (a mesma palavra tem sentidos diversos) e homonímia.
Podemos concluir, de alguma forma, partindo das citações acima, que os conceitos homonímia, homografia e homofonia estão interligados, sendo o primeiro o mais vasto, pois associa aspectos perceptíveis pelo contexto, quer na oralidade, quer na escrita. Com efeito, nas expressões
a) o canto da sala
b) o canto do pássaro
é o grupo preposicional que ocorre à direita que vai permitir identificar claramente a realidade para que remete cada uma das palavras. Acontece exactamente o mesmo com as palavras homógrafas, ou seja, é o contexto que vai definir se a palavra isolada sede é a que designa uma carência de líquido por parte de um ser vivo (genericamente falando), ou se, pelo contrário, é a que designa um local, a que se associa uma função específica.
Por outro lado, nas palavras homófonas, continua a ser o contexto que define, já não o som das palavras, mas a sua grafia.
Dir-se-ia que é o contexto a personagem principal desta trama: na homonímia ele determina o sentido; na homofonia, determina a sonoridade, e esta, por sua vez, o sentido (ou será ao contrário?); na homografia ele vai determinar quer o sentido, quer a grafia.
Pelo exposto, facilmente se conclui que a minha interpretação se aproxima da da consulente. Importa, porém, ter em conta que a definição nem sempre é tão simples nem tão linear como gostaríamos. Vejamos como são definidos estes conceitos no Dicionário de Termos Linguísticos (disponível aqui “on-line”; o sublinhado é meu):
«Homófono
Semântica
Diz-se que uma unidade lexical é homófona de outra, se com ela tiver uma relação de homofonia, i. e., se ambas tiverem a mesma forma fonética e significados diferentes, como acontece, por exemplo, com "concelho" e "conselho", "cozer" e "coser".
Fonte: LYONS (1977).
Homógrafo
Semântica
Uma unidade lexical é homógrafa de outra, se com ela tiver uma relação de homografia, ou seja, se ambas tiverem formas gráficas semelhantes e significados diferentes. Exemplo: "pregar" (com um martelo) e "pregar" (um sermão) são homógrafos.
Fonte: LYONS (1977).
Homónimo
Semântica
Lexicologia
Terminologia
Cada um dos termos de uma dada língua que têm a mesma forma gráfica ou fónica, mas que designam noções diferentes. Exemplo: saia (substantivo) e saía (forma do verbo "sair").
Fonte: BOUTIN-QUESNEL et alii (1985).
Homofonia
Semântica
Género específico de homonímia parcial, também designada heteronímia, a homofonia refere a relação existente entre unidades lexicais que têm a mesma forma fonética mas significados diferentes, como acontece com "passo" e "paço".
Fonte: LYONS (1977).
Homografia
Semântica
Género específico de homonímia parcial, também designada heteronímia, a homografia designa a relação existente entre duas unidades lexicais que têm a mesma forma gráfica, mas que têm formas fonéticas e significados diferentes, como acontece com "segredo" (nome) e "segredo" (forma do verbo segredar).
Fonte: LYONS (1977).
Homonímia
Terminologia
Lexicologia
Linguística Histórica
Semântica
Relação existente entre unidades lexicais que têm as mesmas formas gráfica e fonética, mas significados diferentes. A homonímia compreende a homofonia, a homografia ou as duas.
Fonte: LYONS (1977).»
Se entendermos homonímia com um conceito mais vasto que engloba a homofonia e a homografia, aceitaremos a definição apresentada na TLEBS, que transcrevo de novo e que não diverge da que o Dicionário de Termos Linguísticos apresenta:
«propriedade semântica característica de duas unidades lexicais que partilham a mesma grafia e/ou a mesma pronúncia, mas que conservam significados distintos».
Note-se ainda que nem a gramática de Celso Cunha e Lindley Cintra, nem a de Maria Helena Mira Mateus e outras focam esta problemática, que foi sendo trazida para o ensino, paulatinamente, como se se tratasse da coisa mais simples e clara (quiçá mais essencial…) da gramática, quando, provavelmente, o não é.
Para facilidade na abordagem face aos alunos, parece-me que vale a pena continuar a isolar os termos, reservando homonímia para a situação de coincidência som e grafia, homofonia para a situação em que a coincidência é fonética, mas não gráfica, e homografia para os casos de coincidência gráfica mas não fonética.