A concordância e as regências são, por exemplo, áreas de funcionamento da língua em que morfologia, sintaxe e semântica se interligam. As regras de concordância resultam do facto de, em português, o núcleo de um constituinte (p. ex., «esposas» em «as esposas desesperadas») determinar que os termos que dele dependam (p. ex. «as» e «desesperadas») apresentem o mesmo tipo de flexão (o morfema de plural marcado pela letra s). Quer dizer que a morfologia flexional em português abrange também a classe dos artigos e dos adjectivos, ao contrário do inglês, em que tal marca aparece só no nome [«(the) desperate wives», embora com demonstrativos haja concordância: «this desperate wife» ‘vs.’ «these desperate wives»]. Por um lado, na morfologia construcional, ao nível da composição de palavras, é frequente verificar que o plural de compostos morfossintácticos tem muito que ver com a sintaxe e a semântica da expressão original: os plurais de guarda-roupa e pombo-correio são, respectivamente, guarda-roupas e pombos-correio, uma vez que o primeiro composto resulta da expressão «(o que) guarda roupa ou roupas» e «pombo ou pombos que são usados como correio». Não há, por conseguinte, nestes nomes compostos uma simples justaposição dos termos constituintes; há, sim, uma hierarquia sintáctico-semântica entre esses termos, a qual explica que apenas um deles possa ter a flexão de plural. Por outro lado, a concordância é sensível à semântica inerente ao nome. O feminino de um nome (gato/gata) leva à concordância em género («um gato divertido»/«uma gata divertida»). Mas, por vezes, vemos que a concordância, que é de natureza sintáctica, pode fazer-se com o sentido da palavra regente e não com as suas marcas morfológicas. Por exemplo, o erro frequente que é dizer «a gente vamos» não é mais que fazer concordar o verbo não com um nome singular (gente), mas com o sentido de pluralidade desse nome (isto é, «nós»). Finalmente, a semântica é indissociável da sintaxe quando se analisam as propriedades de selecção dos complementos de nomes, adjectivos e verbos. Nestes últimos, é clara a necessidade de respeitar a compatibilidade entre um verbo e as palavras que preenchem os seus argumentos por questões que são essencialmente semânticas. A título de ilustração, lembremo-nos de casos impossíveis (pelo menos, no discurso mais corrente) como *«o castelo cantou» (em lugar de «o João cantou») ou *«sabia bem o João» (em vez de «conhecia bem o João»). Estas incompatibilidades derivam de os traços semânticos dos nomes castelo – [-humano] – e João – [+concreto] – não satisfazerem a especificação dos complementos dos verbos cantar – nome [+ humano] («a Rita cantou») e saber – nome [– concreto] («sabia bem música»). Vemos, assim, que as fronteiras entre morfologia, sintaxe e semântica não são estanques. Pelo contrário, trata-se de domínios que se sobrepõem de tal maneira, que a descrição linguística e gramatical só os separa por imperativos metodológicos.