É verdade que actualmente existe esta diferença entre a ortografia do português europeu e a ortografia do português do Brasil: a norma ortográfica brasileira prevê o uso de perentório, ao passo que a lei ortográfica portuguesa prevê peremptório. É também verdade que em Portugal se notam algumas reservas quanto à possível aplicação do novo acordo ortográfico, que está neste momento em discussão e que, em caso de aprovação — que apesar das reservas não parece estar neste momento em risco —, levará a que se escreva perentório nas duas variedades, como podemos ler na alínea b da Base IV do referido Acordo:
«Quando, nas sequências interiores mpc, mpç e mpt se eliminar o p de acordo com o determinado nos parágrafos precedentes, o m passa a n, escrevendo-se, respetivamente, nc, nç e nt: assumpcionista e assuncionista; assumpção e assunção; assumptível e assuntível; peremptório e perentório, sumptuoso e suntuoso, sumptuosidade e suntuosidade.»
Se bem percebo, aquilo que o caro consulente diz é que o facto de uma letra aparecer escrita faz com que as pessoas habituadas à grafia brasileira a pronunciem, coisa que não fariam em situação espontânea de oralidade. Depreendo, seguindo essa linha de raciocínio, que o consulente dirá o mesmo de palavras como óptimo, director ou acto, cujos p ou c antes de t são mudos na variedade europeia e inexistentes na variedade brasileira; ou como corrupto ou facto, cujos c e p são pronunciados na variedade europeia, mas também não existem na ortografia do Brasil. Não tenho dados concretos para apresentar, mas é minha convicção de que qualquer leitor habituado à grafia brasileira rapidamente se apercebe de que corrupto, facto, director e óptimo são a mesma palavra que as suas bem conhecidas corruto, fato, diretor e ótimo, assim como acontece, em sentido contrário, com um leitor habituado à grafia portuguesa quando se depara com palavras como corruto, fato, diretor e ôtimo. Mau seria se assim não fosse, pois o novo Acordo, a ser aprovado, manterá as diferenças em palavras em que o som [p] ou [k] é pronunciado (e escrito) numa variedade e não na outra como corrupto/corruto ou facto/fato.
Por outro lado, também no Brasil existem muitas excepções à regra que o consulente enuncia e segundo a qual, no Brasil, se lêem todas as letras que a ortografia prevê, como são, por exemplo, o h inicial em palavras como hipopótamo ou história, o u em palavras como queijo, ou até, em última análise, o r final em palavras como amor ou falar.
Tudo isto dito, resta acrescentar que as reservas que o consulente sente, e que existem de facto, não parecem neste momento suficientemente fortes para vir a pôr em causa a aprovação em Portugal do novo Acordo Ortográfico. Resta-nos esperar para ver.