DÚVIDAS

Ou seja

No outro dia, ouvi uma conversa na qual uma senhora, que se dizia linguista, protestava energicamente contra o uso incorrecto e frequente da expressão ou seja". Como desconheço tal questão (e, já agora, também emprego a expressão – mais, até, no sentido de «isto é»), gostaria que me esclarecessem se, de facto, é incorrecto fazê-lo.

Obrigada.

Resposta

A locução ou seja liga duas palavras ou duas frases, a segunda das quais explica ou, de certo modo, rectifica a anterior (= isto é; ou melhor; quer dizer – cf. edição de 1999 do dicionário brasileiro Aurélio).

Trata-se de expressões invariáveis (ou seja, isto é, etc.), como indica o gramático brasileiro Napoleão Mendes de Almeida (Dicionário de Questões Vernáculas – entrada "Ou seja"). Exemplo: "Este safio pesa dois quilogramas, ou seja, dois mil gramas."

Tais locuções devem pôr-se entre vírgulas, segundo Mendes de Almeida e o estudioso português e consultor do Ciberdúvidas José Neves Henriques. Outro consultor do Ciberdúvidas, o dicionarista Fernando V. Peixoto da Fonseca, no entanto, considera facultativa essa pontuação.

Nada encontrei que fundamente o "erro" apontado pela linguista referida na pergunta, embora possamos dizer que uma das acepções da conjunção (ou) já tem o sentido que se pretende exprimir na locução (ou seja) – ou = por outras palavras; de outro modo – como no exemplo: "mil metros ou um quilómetro"; cf. dicionários Porto Editora, Aurélio e Michaelis. Na minha opinião, assim será em frases curtas (exemplo citado). Mas, em frases extensas, creio que a locução (ou seja) se torna mais enfática, mais clara e mais coloquial do que a conjunção (ou), utilizada em sentido explicativo.

Vejamos um excerto com a locução:

"Reinvenção do presente, o futuro está no passado, ou seja, temos de perceber o que nos aconteceu há milhões de anos, o que aconteceu antes de nos ter acontecido alguma coisa, para nos libertarmos desse vazio a que chamamos futuro, porvir, devir, e mais não é do que um paraíso, um inferno, de onde ninguém regressou."E o mesmo excerto com a conjunção (ou):

"Reinvenção do presente, o futuro está no passado, ou temos de perceber o que nos aconteceu há milhões de anos, o que aconteceu antes de nos ter acontecido alguma coisa, para nos libertarmos desse vazio a que chamamos futuro, porvir, devir, e mais não é do que um paraíso, um inferno, de onde ninguém regressou."

A conjunção quase fez (diria que fez) com que a frase seguinte, em vez de explicativa, se tornasse disjuntiva.

Note-se: a conjunção (ou) tem, além do sentido explicativo, pelo menos outros dois, também trazidos do latim "aut" (cf. dicionários Michaelis, Aurélio e Porto Editora): 1. Une palavras ou orações com ideias que se excluem: "Ou vens ou ficas, decide-te." 2. Exprime dúvida: "Deverás fazer exame, ou não?"

A locução ou seja, pelo contrário, é meramente explicativa. Daí, a sua maior clareza.

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa