1. O Dicionário Houaiss faz ao contrário: de sucatar remete-nos para sucatear. O mesmo acontece com o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora. Aqui, as formas sucatear, sucatar e sucatemento estão assinaladas como formas do português do Brasil. Em português europeu não existe o verbo sucatear/sucatar. O acto de «vender ou encaminhar algo para a sucata» é captado na expressão fixa «mandar para a sucata». Uma frase como «O Zé cresceu e sucateou a sua bicicleta velhinha» (ou seja, o Zé deixou a bicicleta ao abandono, deixou que a bicicleta ficasse imprestável, deixou-a arruinada por falta de cuidados) é alheia aos falantes do português europeu. Mesmo no sentido de «transformar em sucata», a própria actividade do sucateiro, o verbo sucatear/sucatar não ocorre em português europeu.
2. De facto, o sufixo -e-1 tem valor aspectual de frequentativo/durativo. Trata-se de um prefixo de grande representatividade na formação de verbos2. Veja-se arroxear, aformosear, cabecear, guerrear, esfaquear, assim como termos náuticos como balancear, bordear, costear, mastrear, rastear3. Esta constatação não contraria da defesa da legitimidade de sucatear, pois, como vimos, o verbo assume o sentido de «deixar arruinar por falta de cuidados», ou seja, o verbo referencia uma acção que ocupa um intervalo de tempo relativamente longo. Por outro lado, quando o verbo assume o sentido de «mandar ou vender para a sucata», então a acção já tem um carácter pontual. Conclusão: ambas as formas estão correctas, como aliás se constata pela consulta dos dicionários referenciados.
1 A sequência -ar corresponde a vogal temática + morfema de infinitivo.
2 Cf. Rio Torto et al. 2004 – Morfologia, sintaxe e semântica dos verbos heterocategoriais, Coimbra, Almedina, p. 27.
3Cf. Terminologia e morfologia: marcas morfológicas da génese do vocabulário da náutica em português