DÚVIDAS

Orações "irónicas"

Com referência à dúvida de Eugênio Geppert, permito-me acrescentar algum comentário à resposta de João Carreira Bom. A frase "Não jogo com vocês porque esteja aborrecido", pode assumir os dois significados referidos: tanto quer dizer que "não joga, mas não pelo motivo de estar aborrecido", como também quer dizer que "joga, mas não pelo motivo de estar aborrecido", ou seja, "Não estou jogando com vocês porque esteja aborrecido". A segunda interpretação se dá pela alteração da posição do advérbio e pela supressão da conjunção "mas" e da vírgula na frase "Jogo com vocês, mas não porque esteja aborrecido". Isso é comum na fala, pelo menos no Brasil. Outro exemplo: "Não ando a pé porque goste" pode significar também que "Ando a pé, mas não porque goste". Na fala, o interlocutor entende imediatamente o sentido, mas, na escrita, cumpre evitar a ambigüidade; e a maneira que me ocorre é justamente a alteração proposta pela professora do consulente:

"Jogo com vocês, mas não porque esteja aborrecido"

"Não jogo com vocês, mas não porque esteja aborrecido"

Quanto à terceira frase ("Fernando Henrique não embarcou para a Índia porque tivesse uma agenda muito clara para tratar com o governo desse país"), penso, com a devida vênia, ter estrutura idêntica à das apresentadas ("Ele embarcou, mas não porque tivesse uma agenda muito clara ...").

Salvo melhor interpretação.

Resposta

Agradeço o comentário de Fernando Bueno, que me permite corrigir uma imprecisão: a terceira frase («Fernando Henrique não embarcou para a Índia porque tivesse uma agenda muito clara...») é semelhante à primeira («Não jogo com vocês porque esteja aborrecido») e diferente da segunda («Jogo com vocês, mas não porque esteja aborrecido»). Peço desculpa pelo lapso.

As três frases estão bem construídas. Daí que manifestasse discordância pela rejeição da primeira a favor da segunda. Uma e outra têm significado idêntico, mas construção e estilo diferentes. Na verdade, a primeira e a terceira são frases irónicas: transmitem significado oposto ao da interpretação literal do enunciado.

Não se confine o assunto, todavia, às orações causais negativas. Também temos orações finais marcadas pela ironia: «Não estou aqui para enganar ninguém», «Não aderi à Associação para que vocês me ataquem», etc.

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa