A viabilização/inviabilização da comunicação (ou da regular compreensão do conteúdo informativo veiculado numa frase) não é critério para distinguir gramaticalidade de erro.
1. Gramaticalidade
O linguista tem por objectivo descrever o sistema da língua. Para tal, toma como base do seu estudo a análise de um corpus de enunciados, ou de segmentos de enunciados, efectivamente produzidos pelos falantes nativos de uma língua.
Na recolha desse corpus faz-se apelo à intuição linguística dos informantes. O falante/informante faz então um julgamento sobre se um dado enunciado pertence ou não à sua língua. Ora, um falante pode considerar um enunciado anómalo por múltiplas razões: ele pode excluir a viabilidade de um enunciado porque o considera pesado, confuso ou inestético. Porém, ao linguista interessa apenas saber se um dado enunciado é ou não possível numa língua, isto é, se (i) está em conformidade com as regras de formação do enunciado; (ii) se é passível de ser produzido com regularidade nessa língua.
Daí que a noção de gramaticalidade admita graus, ou seja, se desenrole num continuum:
— a ausência de qualquer marca assinala a plena gramaticalidade da construção;
— entre estes dois pólos, do menos gramatical para o mais gramatical, usam-se os sinais: ?*, ?? e ?.
Gramatical/agramatical são termos metalinguísticos.
2. Erro
A noção de erro implica a existência prévia de prescrições que condenam certos usos.
O erro não é graduável: ou há erro, ou não há.
Erro, correcto, incorrecto não são termos metalinguísticos.
3. Exemplo
a) «Tu comestes aquilo que gostas.»
Esta frase está errada (tem dois erros1), mas é gramatical, porque corresponde a uma construção frequente e linguisticamente atestável e também porque em morfologia e em sintaxe se explicam os factores que a propiciam.
Isto não quer dizer que o linguista aprove a vulgarização de construções como a exemplificada em a). Mas também não quer dizer que a condene. Quer dizer que o linguista, para o ser — isto é, para desenvolver um estudo científico da língua, com objecto de estudo e metodologia, por via da descrição rigorosa de dados, conducente à formulação de hipóteses descritivas de fenómenos linguísticos —, suspende o seu julgamento normativo.
1Tu comestes é erro de flexão de pessoa verbal; o correcto é: tu comeste. Aquilo que gostas é erro de regência; o correcto é: aquilo de que gostas.