DÚVIDAS

O particípio passado novamente

Gostaria de começar fazendo um elogio às pessoas que tiveram a iniciativa de criar uma página como esta, onde podemos esclarecer muitas daquelas dúvidas que nos perseguem no dia-a-dia.
No que diz respeito ao particípio, porém, não me pude ainda satisfazer com os pareceres que aqui tenho encontrado. Eles divergem entre si, uns confirmam EXATAMENTE o contrário do que alguns outros afirmam. Gostaria de saber, se se me daria uma explicação mais segura e embasada sobre o tema.
Agradecendo antecipadamente pela sua atenção,

Resposta

Muito agradecemos as suas palavras de estímulo e apreço.

Relativamente ao particípio passado, dado que não aponta nenhum aspe(c)to que considere particularmente contraditório, vou procurar sistematizar e acrescentar dados às já numerosas respostas que foram dadas a propósito.

Nota prévia

É possível que se apresentem aqui, no Ciberdúvidas, respostas com dados não totalmente coincidentes. Tal deve-se ao fa(c)to de o estudo da língua permitir a aplicação de diferentes quadros de abordagem, com diferentes critérios e com condução a diferentes conclusões – conclusões essas que, não raras vezes, podem ser conjugáveis.

1. Aspe(c)tos gerais

Há muitos verbos em português que têm duas formas de particípio passado (verbos abundantes): a forma de regular (ou fraca) e a forma irregular (ou forte). Pode consultar uma lista de exemplos aqui.
Qualquer bom prontuário dirá que a forma regular do particípio entra na constituição de tempos compostos da voz a(c)tiva e por isso se faz acompanhar dos auxiliares ter e haver; por sua vez, as formas irregulares do particípio co-ocorrem com ser e estar.

1.1. Alguns pormenores

Há verbos (da 2.ª e 3.ª conjugação) que possuem apenas o particípio irregular (não conhecem a forma em -ido):

Dizerdito
Escreverescrito
Abriraberto
etc.

Inversamente, para alguns verbos, os particípios irregulares caíram em desuso: já ninguém diz colheito (de colher) ou despeso (de despender), por exemplo.

Há ainda outros particípios irregulares que só se usam como adje(c)tivos. Veja-se o caso de resolvido e resoluto:

a) O problema resolveu-se graças à acção resoluta das forças de segurança.
b) *O problema foi rapidamente resoluto pelas forças de segurança.


2. Hibridismo particípio irregular – adje(c)tivo

São as formas irregulares que se usam como adje(c)tivos e que podem co-ocorrer com os verbos estar, ficar, andar, ir e vir.

Para estes adje(c)tivos, que partilham propriedades morfológicas e semânticas com os particípios, temos as designações de «adje(c)tivos participiais» ou «adje(c)tivos perfe(c)tivos».

Veja-se a diferença entre os adje(c)tivos participiais, em c), e os adje(c)tivos «verdadeiros», em d):

c) (estar) solto, cheio, limpo, seco
d) (ser) bom, alto, inteligente, elegante

Os adje(c)tivos participiais, diferentemente dos adje(c)tivos que denotam qualidades, cara(c)terísticas ou traços definidores, pressupõem uma a(c)ção que desembocou num determinado estado. O mesmo é dizer: os adje(c)tivos participiais apresentam estados alcançados pelas entidades sobre as quais predicam.

2.1. Testes

Na distinção entre adje(c)tivos participiais e adje(c)tivos de qualificação, para além dos testes apresentados aqui, podemos ainda considerar o seguinte:

restrição na modificação por advérbio:

e) A tua casa está completamente limpa!
f) *A tua casa é completamente fantástica!
g) A tua casa é absolutamente fantástica!

De notar que «ser fantástico» não é resultado de um estado alcançado. Pode-se, portanto, graduar («absolutamente») mas não completar («completamente»).

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