DÚVIDAS

«Não acabar de» = «não conseguir»

Eis o brilhante trecho final do não menos brilhante conto Marcha Fúnebre, de Machado de Assis:

«Quando veio a falecer, muitos anos depois, pediu e teve a morte, não súbita, mas vagarosa, a morte de um vinho filtrado, que sai impuro de uma garrafa para entrar purificado em outra; a borra iria para o cemitério. Agora é que lhe via a filosofia; em ambas as garrafas era sempre o vinho que ia ficando, até passar inteiro e pingado para a segunda. Morte súbita não acabava de entender o que era.»

Gostaria de saber o significado preciso da última frase («Morte súbita não acabava de entender o que era»). Seria a afirmação da real inexistência de uma morte súbita?

Agradeço desde já o esclarecimento.

Resposta

A ocorrência de acabar no contexto apresentado é sinónima de conseguir: «Morte súbita, não conseguia entender o que era.» Este uso de «acabar de» em contexto negativo é frequente em espanhol (cf. dicionário da Real Academia Espanhola): «acabar [...] 12 No lograr algo. U. con neg. No acaba DE licenciarse)*. Na escrita de Machado de Assis, a construção não é infrequente, como evidenciam outros exemplos (Machado de Assis, Uma por Outra; ver também Corpus do Português):

«E não pude dissimular esse estado; o meu confidente da Escola desconfiou que havia alguma cousa, eu contei-lhe tudo. Fernandes não acabava de crer.

– Mas como, Josino? Pois uma criatura que nem sequer conheces... é impossível!»

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