DÚVIDAS

«Euro-região», de novo

A propósito da resposta dada por R. G., compete relembrar que, no seu Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa, Rebelo Gonçalves preceituou o uso do hífen «Nos compostos em que entram, morfologicamente individualizados e formando uma aderência de sentidos, um ou mais elementos de natureza adjectiva terminados em 'o' e uma forma adjectiva», mesmo que o primeiro elemento não figure na sua «forma plena [...] ('euro'-, por 'europeio'-)», razão por que grafamos «euro-asiático», «euro-chinês» ou «euro-siberiano».
Ora, no caso de «euro-região», o segundo formante é um substantivo, o que, desde logo, inviabiliza a sua integração no grupo visado pela regra supra-exposta. E o primeiro elemento? Não será ele também uma cristalização substantiva, forma reduzida de «Europa»? A ser assim, Rebelo Gonçalves, uma vez mais, não deixa margem para dúvidas, pois que, segundo este ilustríssimo autor, «É inadmissível o uso do hífen nos compostos em que um elemento de origem substantiva, proveniente do grego ou do latim e terminado em 'o', se combina com um ou mais elementos substantivos ou adjectivos. Em tais compostos faz-se sempre a união completa dos elementos iniciais aos imediatos».
Em vista disto, e levando em linha de conta o no estudo de Margarita Correia, tão oportunamente referido pelo consultor R.G., a lexia «euro-região», em razão de significar «região da Europa», deverá ser escrita sem hífen – «eurorregião» –, tal como ocorre em «eurodeputado», «eurodólar» ou «euromíssil», ainda que estes compostos não sejam exemplificativos da duplicação do 'r' ou do 's' intervocálico.
À guisa de conclusão, o argumento aduzido para o uso do hífen em «euro-siberiano» não pode ser aplicado, pelo que se acaba de mostrar, à unidade morfológica em apreço.
Com os meus respeitosos cumprimentos,

Resposta

Antes de mais, prezado consulente, deixe-me saudá-lo por se ter dirigido a Ciberdúvidas na qualidade de fórum de estudo da língua portuguesa, e não na sua condição de mero consultório.

Posto isto, vamos lá debater esta questão, a ver se conseguimos que daqui emane alguma luz sobre uma área que parece obscura, dificuldade a que a primeira resposta já fazia alusão.

A primeira divergência entre aquilo que primeiro sustentei e aquilo que o meu companheiro de estudo agora contesta concerne à natureza do antepositivo euro-. Não posso concordar com o que me diz, que se trate de uma «cristalização substantiva, forma reduzida de "Europa"», quando é consensual que se trata de um «elemento de formação de palavras que exprime a ideia de europeu ou referente à Europa» (cf. Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora), ou seja, um elemento de natureza adjectiva.

Assim sendo, julgo não estar a patrocinar nenhum disparate se defender que a regra de Rebelo Gonçalves respeitante aos «compostos com elementos de origem substantiva, provenientes do grego ou do latim e terminados em o» não pode ser aqui invocada.

Admitindo, por outro lado, que o elemento região não é, de facto, uma forma adjectiva, e que por esse motivo também não podemos aplicar o outro preceito de Rebelo Gonçalves referente aos «compostos em que entram, morfologicamente individualizados e formando uma aderência de sentidos, um ou mais elementos de natureza adjectiva terminados em o e uma forma adjectiva», somos forçados a concluir que estamos realmente numa área omissa, conforme já se queixava a primeira resposta.

Foi nesse sentido que decidi seguir o trilho aberto por Margarita Correia no estudo «oportunamente referido», agarrando-me àquele trecho da página 6 que refere o seguinte:

«Por tudo isto, e embora euro- tenha o valor morfossintáctico de um adjectivo, supomos não ser despropositado propor para euro- o estatuto de prefixo do português contemporâneo e, como tal, sugerir que, do ponto de vista ortográfico, ele passe a ser utilizado segundo as mesmas normas actualmente utilizadas para os prefixos terminados em vogal e não acentuados do português, isto é, que passe a ser grafado sem hífen, excepto antes de bases começadas por h, o, r e s

É o caso de «euro-região», que, em função do exposto, em nada contraria as grafias «eurodeputado», «eurodólar» ou «euromíssil», e até encontra algum apoio no «euro-siberiano» do Dicionário Houaiss.

Sem querer dar o caso por encerrado, convido todos os interessados neste assunto a entrarem no debate, pois é também este um dos propósitos deste espaço.

N. E. (9/05/2016): Com a aplicação do Acordo Ortográfico de 1990 (Base XVI), a palavra em questão passa a escrever-se eurorregião.

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