Certa vez ouvi o ilustre estudioso de Português Evanildo Bechara, autor de uma das gramáticas da língua portuguesa mais editadas, Moderna Gramática Portuguesa (37.ª edição), afirmar que há coisas que nunca se devem dizer. Uma delas é “Isso não se diz” porque o simples facto de se ter esta reacção é prova de que se diz, pois alguém acabou de ouvir e reagiu. Outra é “Isso não é português”. Como se pode, por exemplo, dizer a alguém que só sabe falar português que o que acabou de pronunciar não é português?
Em relação à expressão em apreço e à pergunta correspondente, só posso responder que existe, pois se o consulente (e eu também) a ouve, como pode não existir? Existe, note-se, num português informal, numa situação de oralidade em que o orador quer enfatizar a sua intervenção. Não a aprendeu o consulente na escola, nem eu, porque a função da escola é veicular uma língua padrão, que permita a todos o domínio de uma forma de expressão linguística formal e mais ou menos próxima, para que nos entendamos e possamos comunicar sem barreiras. As mesmas pessoas que dizem expressões como a que está em apreço, não as escreveriam, arranjando estruturas mais formais para dizer o mesmo.
Saliento apenas que são várias as expressões em que ocorre este fenómeno de realce, colocando um pronome sujeito a anteceder uma forma verbal face à qual é inadequado. É, por exemplo, o caso de «Eles parece que já vieram». Nesta situação o verbo é impessoal, e, no entanto, surge antecedido por um pronome que desempenha, habitualmente, funções de sujeito.
Também neste caso estamos perante uma estrutura da oralidade que não deverá passar à escrita.