DÚVIDAS

«Estar confiante em que»

Estimada equipa de Ciberdúvidas!
Em primeiro lugar, agradeço o próprio site e a vontade persistente de melhorar a Língua Portuguesa num esforço de juntar as capacidades da Internet e os conhecimentos "académicos" do idioma.
A minha dúvida é esta:
1. qual é o uso correcto ou, se há mais de um, qual será a diferença entre as variantes das regências do adjectivo "confiante" (de/em) com e sem subordinado que lhe siga?;
2. julgando pelos exemplos recolhidos de JN, DN, Público, Portugal Diário, Diário Digital e algumas outras edições, o uso do conjuntivo precedido de "confiante de/em que; que", parece, é condicionado e prende-se com a medida da probabilidade que se quer atribuir à frase. Qual então a regra básica tal qual é em português de Portugal?;
3. se as palavras da mesma raiz, ou saber, "confiar" e "confiança" se comportam da maneira semelhante quando ligadas a um subordinado? Embora tenha lido os artigos sobre "duvidar que" e "confiança em que + conj.", não me ficou tão claro o assunto que me permitisse construir a frase o mais "portuguesmente" possível o que, para os estrangeiros, obviamente apresenta uma dificuldade maior.
Façam o favor de me não remeter para as Gramáticas das quais tenho bastantes, a por Cunha/Cintra inclusive, pois precisava de uma resposta ao vivo provinda de um de vossos excelentes peritos às explicações dos quais tenho repetidamente recorrido.

Resposta

Muito agradecemos as suas palavras de apreço.
Partamos da apresentação de várias frases.

a) Estou confiante.
b) Os trabalhadores, confiantes na resposta positiva do presidente, não fizeram greve.
c) O Zé está confiante na vitória do Benfica.
d) Os trabalhadores estão confiantes em que o presidente responderá positivamente.
e) Os trabalhadores estavam confiantes em que o presidente iria responder positivamente.
f) Os trabalhadores não estão nada confiantes em que o presidente venha a responder positivamente.
g) Os trabalhadores não estavam nada confiantes em que o presidente respondesse positivamente.
h) Os trabalhadores nunca estiveram confiantes em que o presidente fosse responder positivamente.
i) Confiou a chave ao vizinho.
j) Confiou-se inteiramente ao desígnio dos deuses.

1. Em a), «confiante» é sinónimo de optimista; a frase referencia um estado temporário.
2. Em b) e c), os constituintes sublinhados são grupos preposicionais (cujo núcleo é «em») com a função sintáctica de complemento preposicional do adjectivo confiante.
3. De d) a h), o constituinte sublinhado é uma oração completiva com função sintáctica oblíqua seleccionada pelo adjectivo confiante. A frase em d) respeita a correlação de tempos da série do presente [plano actual]: presente – futuro; a frase em e) respeita a correlação de tempos da série do passado [plano inactual]: pretérito imperfeito – futuro do pretérito (também designado por «condicional»); de f) a h), as mesmas correlações são respeitadas, mas a negação obriga a que a completiva ocorra no modo conjuntivo.

Notas:
(i) Estar confiante/confiar correspondem a predicações epistémicas, com valor factivo, daí a estranheza de ocorrências como «Estou confiante em que haja ainda outra oportunidade» (conjuntivo) e a gramaticalidade da ocorrência correspondente: «Estou confiante em que vai haver/haverá ainda outra oportunidade» (indicativo). A factividade é a propriedade semântica de certas construções em que se pressupõe a verdade da proposição da frase subordinada.
(ii) O verbo confiar é regido da preposição em. Apesar disso, o recurso à preposição de não é pontual: no CETEMPúblico (‘corpus’ alargado de português europeu que tem por fonte o acervo de artigos do jornal Público) contámos 200 ocorrências da preposição em (na combinação «confiante em que») contra 161 da preposição de (na combinação «confiante de que»). Uma explicação para este uso pode estar simplesmente no facto de a preposição de ser o marcador de caso mais frequente na língua portuguesa.

4. Em i), o verbo confiar tem o sentido de «entregar».
5. Em j), temos a ocorrência do verbo como verbo reflexo.

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