1. Em Babilónia ocorre no título de uma obra literária. Neste contexto, as opções morfossintácticas do autor podem visar efeitos particulares. António Lobo Antunes revelou, numa entrevista ao Jornal de Letras, que foi buscar o título a uma frase escrita há 5 mil anos, que encontrou quando estava a ler um texto do poeta cubano Eliseu Diego.
2. Para além disso, temos:
«Eles, em Babilónia, aos punhos ferros,
Passam de escravos miseranda vida (…)»
Alexandre Herculano, A Harpa do Crente (1837)
«Quem não parece razão
Nem seria cousa idónea
Por abrandar a paixão,
Que cantasse em Babilónia
As cantigas de Sião.»
Camões, “Sôbolos rios que vão…” (Poesia lírica)
3. Mas se quisermos atender à regra geral sobre o uso da anteposição do artigo relativamente a um topónimo, com o papel semântico de locativo, teremos de, pelo menos, aceitar a justificação em favor de em Babilónia. Assim:
«Aos nomes de cidades não se antepõe o artigo, a não ser que sejam compostos por nomes comuns: o Porto, o Rio de Janeiro, a Figueira da Foz. No caso de “o Cairo”, o artigo emprega-se em português, como noutros idiomas, por influência do nome árabe: al Kahira, “a Vitoriosa”.»
(Cuesta, Pilar Vásquez; Luz, Maria Albertina Mendes da, 1971 – Gramática da Língua Portuguesa, Edições 70: 464; ver também Neves, M. H. de M., 2000 – Gramática de Usos do Português, UNESP: 415).
Outros exemplos em acréscimo: na Covilhã, no Fundão, na Póvoa de Varzim; no Lobito; no Maputo; na Cidade do México, na Portela, na Guarda, na Parede, etc.
O Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa, de Antônio Geraldo da Cunha, faz remontar Babilónia a Babel. Por sua vez, babel significa, em hebraico, confusão. Mas aceitar que esta observação impõe o uso de artigo a anteceder Babilónia implica a obrigatoriedade de dizer torre da Babel...
4. Se atendermos aos usos, verifica-se a ocorrência do topónimo com e sem artigo, mesmo no âmbito da historiografia e dos estudos literários.
Apresento, só a título de exemplo, alguns resultados a partir do Google Scholar:
«No início da dominação persa na Babilônia, por volta de 526 a. C., foi levado ao conhecimento das autoridades do templo da deusa Ištar, da cidade de Uruk (…)»
«As primeiras actividades deste âmbito parecem ter tido lugar na Babilónia, no século VI a. C.,durante o reinado de Nabodinus (entre 555 e 539 a. C.), que terá escavado o pavimento de um templo (…)»
«A sua ligação a cidades como Borsippa e Babilónia parece ter sido fundamental para esse desempenho, porquanto beneficiaram da retoma económica ocorrida na época que separou a queda das cidades assírias da entrada de Ciro em Babilónia.»
«Já no Império Assírio e no Neo-Babilônico, recorreu-se, sempre que necessário, à deportação em massa da população como estratégia visando sua submissão (caso do exílio judeu em Babilônia).»
«Zópiro, sapata persa, levado pela sua dedicação a Dario I, cortou o nariz e as orelhas e introduziu-se em seguida em Babilónia, cercada pelo Grande Rei, para mostrar aos habitantes que Dario era o autor daquele cruel tratamento.»
Noto ainda que, no uso corrente, a Babilónia pode não ter sentido locativo, mas qualitativo:
Ext 22212 (clt, 97a): «Se não houve triunfadores absolutos, porém, o leque de ofertas nacionais denotou uma flexibilidade e solidez mais que suficientes para vencer o desafio da exportação nesta era da Babilónia global.»
Ext 24689 (nd, 91a): «Mas há que fixar regras, se não caímos na Babilónia ortográfica.»
(CETEMPúblico)