A tradição normativa em Portugal (ver Sá Nogueira, Dicionário de Erros e Problemas de linguagem, 3.ª edição, pág. 129; Vasco Botelho do Amaral, Grande Dicionário de Dificuldades e Subtilezas do Idioma Português) e no Brasil (ver Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa) considera que as locuções conjuntivas «de forma a»/«de forma a que», «de molde a»/«de molde a que», «de modo a», «de modo a que», «de maneira a»/«de maneira a que», «de sorte a»/«de sorte a que» são galicismos, pelo que são preferíveis as sequências sem a preposição a, isto é, «de forma que», «de molde que», «de modo que», «de maneira que», «de sorte que».
Apesar disso, na actualidade, o uso está a impor as formas com a referida preposição, havendo, portanto, maior tolerância com «de maneira a», «de modo a », etc., com infinitivo. É o que se conclui das palavras de
Maria Helena de Moura Neves (Guia de Uso do Português, São Paulo, Editora Unesp, 2003), a respeito do português do Brasil:
«As lições normativas tradicionais condenam o uso da expressão de maneira a, mas ela é mais usual (52%), nos diversos registos. Muitos países, por exemplo, indexaram seus bens de capital, de MANEIRA a criar compensações em torno da inflação.»
Em Portugal, o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, não regista as locuções que incluam «a que», mas parece estabelecer complementaridade entre «de forma/de modo/de maneira, etc. a», que se usa com infinitivo, e «de forma/de modo/de maneira, etc. que», empregado com conjuntivo (idem, s. v. forma e modo).
Sendo assim, diremos que hoje em dia as formas com «a que» continuam a
levantar problemas de aceitabilidade, preferindo-se «de forma/de maneira/ de modo, etc. que», sem a referida preposição («de maneira que se faça qualquer coisa»). Contudo, já são toleradas as locuções que integrem a preposição a, seguida de infinitivo («de maneira a fazer qualquer coisa»).
Cabe referir que estas locuções conjuntivas introduzem orações subordinadas finais. Deste modo, partindo do exemplo de Neves atrás citado, obtêm-se as seguintes orações finais:
(1) «de maneira a criar compensações em torno da inflação» = «para criar compensações em torno da inflação.»
(2) «de maneira que se criassem compensações em torno da inflação» = «para que se criassem compensações em torno da inflação.»
Este valor coincide com a alternância entre (2) e a sequência «de forma/de maneira/de modo, etc. a que», no contexto de uma oração subordinada com o verbo no modo conjuntivo.
Porém, esta alternância já não se verifica quando as locuções têm valor conclusivo:
(3) «O caso é complicado, de maneira/de modo que não há solução à vista.»1
(4) «O caso é complicado, de *maneira/de modo a que não há solução à vista.»
Em (3), de maneira que e de modo que significam «por conseguinte», «portanto» e introduzem orações com o verbo no modo indicativo. Em (4), o asterisco indica que, mesmo no uso não-normativo, não é possível usar as variantes "de maneira a que", "de modo a que", etc.
Por último, pode-se ainda constatar que, tanto a (2) como a (3), se associa um valor consecutivo, permitindo as seguintes paráfrases :
(4) «[indexaram seus bens de capital de tal maneira,] que se criaram compensações em torno da inflação»
(5) «[O caso é tão complicado,] que não há solução à vista»
O aparecimento de «de forma/de maneira/de modo a que» tem sido atribuído à convergência da forma «de forma/de maneira/de modo, etc. a» com a que lhe é complementar, ou seja, «de forma/de maneira/de modo que» (ver referências atrás indicadas). Mas permito-me conjecturar que o uso da sequência (ao que parece) ainda condenada pela tradição tenha sido favorecido pelo facto de exprimir a finalidade, sem se confundir com a outra sequência de valor conclusivo, isto é, «de maneira/de modo que».
1 Agradeço a Ana Martins este exemplo e a respectiva interpretação.