Eu escrevo: `forno de lenha´, `carrinho de pilhas´, `ensino à distância´, `tiro à queima-roupa´, `pagamento à vista´.
As pessoas extremosas com a língua recusam as expressões `*`forno a lenha´ e *`carrinho a pilhas´ por serem galicismos. Quanto a `barco à vela´, também há quem defenda `barco de vela´, como defendem `máquina de vapor´ ou `avião de jacto´.
A forma como a comunidade sente os mecanismos da sua língua é muitas vezes determinante. Em forno de lenha, carrinho de pilhas, sente-se que lenha, pilhas são elementos de constituição respectivamente daquele forno e daquele carrinho (nos quais a combustão da lenha ou a electricidade são os modos de funcionamento), ao passo que nos casos em que há crase a ideia que nos fica é mesmo o modo da acção (à distância, à queima-roupa, à vista). O acento gráfico na crase pode ser uma bizantinice para os irmãos brasileiros, mas no português europeu distingue-se bem `o som do artigo e o da preposição isolados´ de `o som do conjunto em crase´.
Podia ficar por aqui, mas ocorre-me mais a seguinte reflexão:
Uma estrutura de signos é ela própria um signo na comunicação, signo que pode ser diferente, se, mesmo com iguais elementos, mudarmos a posição destes no conjunto (ex.: `apenas eu não faço isso´ é diferente de `eu não faço apenas isso´). A ideia base que sempre defendo é que a mensagem se transmita correctamente, sem ambiguidades (fora da arte pura...).
Ora, na forma como sinto a minha língua, não me escandaliza escrever `forno a lenha´, `carrinho a pilha/s´ (confundindo a constituição como o modo) e escrever `barco à vela´, como redução de `barco movido à vela (ou ao vento)´. Mas já sinto recusa mental nas expressões `ensino a distância´ (ensino eu a distância?), `tiro a queima-roupa´ (tiro eu o quê?...). E em `pagamento a ¦â¦ vista´ sinto que não é um `signo-conjunto´ a que esteja habituado na minha língua: parece-me que falta qualquer coisa...
Ao seu dispor,