1 - Biunívoco é um termo consagrado no jargão dos matemáticos, e distingue-se de unívoco. Refere-se a funções ou correspondências entre dois conjuntos, mas estes não são mutuamente exclusivos, pelo contrário: uma correspondência biunívoca é em particular unívoca, mas é mais do que meramente unívoca.
Uma correspondência de um conjunto noutro diz-se unívoca, se a dois elementos distintos do primeiro conjunto se fizerem corresponder elementos também distintos do segundo. Por exemplo, se fizermos corresponder a cada pessoa o seu nome próprio, esta não é uma correspondência unívoca, já que a diferentes pessoas se faz corresponder o mesmo nome (e.g. Maria). No entanto, se fizermos corresponder a cada pessoa o número do seu B.I., esta já é uma correspondência unívoca: não há (não deve haver) duas pessoas com o mesmo número de B.I.
Uma correspondência diz-se biunívoca se for unívoca e a cada elemento do segundo conjunto se fizer corresponder algum elemento do primeiro. No exemplo dos B.I., a correspondência não é biunívoca, uma vez que existem números aos quais não está atribuído nenhum B.I. Um exemplo de uma correspondência biunívoca é aquela que faz corresponder a cada número o seu simétrico em símbolos, e, se chamarmos f à correspondência em causa, temos: f(1)=-1, f(2)=-2, f(3)=-3, etc., e também f(-1)=1, f(-2)=2, f(-3)=3, etc.
É claro que nas correspondências acima estão subentendidos os "primeiro" e "segundo" conjuntos, aos quais se dá o nome de domínio e contradomínio (ou conjunto de chegada), respectivamente. No primeiro exemplo, o domínio é o conjunto de todas as pessoas e o contradomínio é o conjunto de todos os nomes próprios. Para o segundo exemplo, temos como domínio o conjunto de todas as pessoas que têm B.I. e como contradomínio o conjunto dos números naturais. Finalmente, no terceiro exemplo, o domínio e o contradomínio coincidem, e são neste caso o conjunto dos números inteiros.
A escolha do contradomínio pode determinar a qualidade de uma correspondência ser biunívoca ou não. Se no último exemplo tivéssemos escolhido para conjunto de chegada o conjunto de todos os números reais (incluindo as fracções e os irracionais), a correspondência deixaria de ser biunívoca, continuando contudo a ser unívoca.
Embora desajeitadas quando explicadas por palavras, estas definições são fáceis de compreender com esquemas de "setinhas", os chamados diagramas de Venn. Desenhe-se um círculo com pontinhos lá dentro para representar o domínio, os pontinhos representando os elementos do conjunto. Desenhe-se ao lado um segundo círculo com os respectivos pontinhos representando o contradomínio. Partindo de cada elemento do domínio, desenhe-se uma seta a apontar para o elemento do contradomínio ao qual se faz corresponder o primeiro elemento. Uma correspondência é unívoca se duas setas nunca apontarem para o mesmo elemento do conjunto de chegada. Se além disso todos os elementos do contradomínio tiverem uma seta para si dirigida, então a aplicação (outro nome para correspondência) diz-se biunívoca.
Não me parece que haja contradição na palavra «biunívoco». Bi- porque é unívoca nos dois sentidos: a elementos distintos do domínio correspondem elementos distintos do contradomínio, e a cada elemento do contradomínio corresponde pelo menos um elemento do domínio.
É um termo enraizado e reconhecido. Não me parece que os matemáticos estejam dispostos a abdicar por completo dele. Há, no entanto, sinónimos: Biunívoco = bijectivo (um-a-um). Este termo é pouco comum em Português, mas há quem o use.
2 - Apesar da brilhante explicação do Dr. Manuel Portilheiro, que nos leva a entender que o termo tenha sido criado e seja usado pelos matemáticos, não deixa de ser estranho o seu emprego por «leigos», com o significado de bilateral, recíproco, simétrico. Sem o apoio da lógica matemática, o termo é contraditório em si mesmo: adiciona à palavra unívoco, que em Latim significava «uma só voz», o prefixo bi- que significa dois. Para quê complicar as coisas com termos ambíguos, que terão sentido em certas linguagens, mas não na linguagem comum?
3 - Dedicado ao espírito lúdico de Ciberdúvidas, esta polémica proporcionou-me a seguinte reflexão:
Consideremos um agrupamento fixo onde existem vários casais monogâmicos sexualmente perfeitos (no aspecto físico e no do interesse mútuo conveniente), portanto com reciprocidade exclusiva em tudo. Podemos dizer, usando os conceitos matemáticos, que a correspondência sexual mulher-homem é unívoca, pois só um elemento do domínio (um domínio, por exemplo, feminino, como premunição do que está a acontecer nas universidades portuguesas…) apresenta interesse sexual por um dado elemento do contradomínio (no exemplo, o masculino). Ora, neste caso, podemos ainda dizer que é também biunívoca: só um elemento do contradomínio está disponível para ter interesse sexual para o correspondente elemento do domínio.
Mas suponhamos que, com o tempo, entra no contradomínio (logo, em excesso) um conjunto de elementos heterossexuais virilmente atraentes e carenciados. Então, pode acontecer que fique tudo estragado… Para já, perde-se a correspondência biunívoca (talvez com implicações violentas no contradomínio…). Por outro lado (numa evolução em perda do pudor feminino…), é possível que surjam casos de interesse em que se verifiquem `dois (ou mais) elementos do domínio atraídos para um do contradomínio´ (por exemplo, excepcionalmente impressivo); e até a estruturante correspondência unívoca se pode perder…
E falo só de interesse…
Concluindo, o meu parecer é de que estes termos matemáticos (tão bem definidos por um dos intervenientes na polémica) podem enriquecer literariamente a língua, não obstante a aparente contradição formal do termo biunívoco (referida pelo outro interveniente).