DÚVIDAS

Ainda Bagdade + antropónimos + topónimos

Tendo lido os esclarecimentos que prestou a Armando Dias, a propósito do topónimo "Bagdade" (24/02/2003), ficar-lhe-ia muito grata se contribuísse para desfazer algumas ambiguidades, informando os consulentes e leitores do Ciberdúvidas do seguinte:
1 – O texto que transcreveu do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 nada tem de original, posto que faz parte das Bases Analíticas do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1945, que é a norma ortográfica em vigor (cuja aplicação o Brasil, signatário do Acordo, não cumpriu). A este propósito, recomendo vivamente que se coteje a Base I do Acordo de 1990, por si citada, com as Bases I, II e IV do Acordo de 1945 (vide Tratado Ortográfico da Língua Portuguesa, do Prof. Rebelo Gonçalves (Atlântida Editora–Coimbra, 1947). Facilmente se apurará que o texto, exemplos incluídos, é o do Acordo de 1945. Infelizmente, um texto tão importante para a compreensão dos princípios que regem a ortografia da nossa Língua só pode ser consultado em bibliotecas, por falta de reedição. Contudo, e a despeito da indisponibilidade deste texto tão importante nos circuitos editoriais, não devemos contribuir para reforçar, junto dos utentes da Língua, a ideia de que a ortografia desta sofre de confrangedora carência de regras, apenas colmatada pelo advento do benfazejo Acordo de 1990. Seria iludir a verdade histórica e pouco honesto do ponto de vista científico. As regras estão devidamente consignadas no Tratado Ortográfico, profusamente ilustradas com exemplos, pelo que só não sabe escrever quem se demitir da tarefa de se informar e de esclarecer as suas dúvidas. O Acordo de 1990 limita-se a transcrever (seria pecar por excesso falar em plagiar?) as Bases do Acordo de 1945, introduzindo-lhe depois algumas (polémicas) alterações, de forma por vezes desordenada e avulsa.
Recomendo vivamente a consulta do Tratado, que, além de paradigma de erudição e "honesto estudo", é um verdadeiro exemplo de bom uso da Língua Portuguesa.
2- Tecidas as considerações acima, devo ainda confessar não ter entendido qual o objectivo da inclusão, na sua resposta, do primeiro parágrafo, intitulado Câmara aprova Acordo Ortográfico. Não se me afigura óbvia a articulação deste parágrafo com o esclarecimento solicitado pelo consulente. Além disso, os leitores mais desatentos poderão pensar que o Acordo de 1990 já foi ratificado, o que não corresponde à verdade. Queira corrigir-me se, porventura, esta minha afirmação estiver desactualizada.
Grata pela atenção,

Resposta

1 – Foi falta minha não ter mencionado a não ratificação do «Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa», redigido em 1990, talvez por o ter feito numa resposta anterior sobre «parolímpico/paralímpico»: «Nos países de língua portuguesa e mesmo dentro de Portugal coexistem várias grafias para uma mesma palavra, pois o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, proposto em 1990, com a participação do Brasil e dos PALOP, não chegou a entrar em vigor.» Houve, portanto, erro por omissão.
Como diz, e muito bem, o texto de 1990 é o do «Acordo de 1945»: «O Acordo de 1990 limita-se a transcrever (seria pecar por excesso falar em plagiar?) as Bases do Acordo de 1945, introduzindo-lhe depois algumas (polémicas) alterações, de forma por vezes desordenada e avulsa.»
Ao transcrever a parte do Acordo Ortográfico no que diz respeito às consoantes finais grafadas nas formas onomásticas, quis dar a conhecer o que nele é dito sobre “David/Davide” e “Jacob/Jacobe”. A inclusão desse trecho foi feita no seguimento da questão que me havia sido colocada, e é relevante no sentido em que discute as diferentes pronúncias que os nomes podem ter e até legitima uma grafia que não tinha sido considerada anteriormente: Badgá, à semelhança de Jó, Davi e Jacó.
«As consoantes finais grafadas b, c, d, g, e t mantêm-se, quer sejam mudas quer proferidas nas formas onomásticas em que o uso as consagrou, nomeadamente antropónimos e topónimos da tradição bíblica: Jacob, Job, Moab, Isaac, David, Gad; Gog, Magog; Bensabat, Josafat. Integram-se também nesta forma: Cid, em que o d é sempre pronunciado; Madrid e Valladolid, em que o d ora é pronunciado, ora não; e Calecut ou Calicut, em que o t se encontra nas mesmas condições. Nada impede, entretanto, que os antropónimos em apreço sejam usados sem a consoante final Jó, Davi e Jacó.»
2 – A inclusão do primeiro parágrafo intitulado «Câmara aprova Acordo Ortográfico» foi feita para dar a conhecer que tanto o Brasil como os outros países onde o Português é a língua oficial – Guiné-Bissau, Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde e Timor-Leste – estavam na intenção de adoptar o vocabulário ortográfico comum, nos termos do acordo. Era, portanto, uma vontade colectiva, e foi pena não se ter avançado até ao reconhecimento legal desse acordo.
Trata-se de uma citação que fiz pelo facto de Armando Dias mencionar a disparidade existente em relação à pronúncia e grafia de alguns nomes próprios, disparidade que se torna flagrante nos meios de comunicação social. Se o Acordo tivesse sido efectivamente aplicado, essa disparidade deveria estar reduzida, pelo menos no que diz respeito ao nome da capital do Iraque, às grafias "Bagdá" e "Bagdad".

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