Acerca da palavra cateter
A palavra cateter, para aparecer como oxítona, teria de ter chegado até nós pelo grego, mas, como penso que passou pelo latim, por que não aparece como paroxítona?
Agradeço um esclarecimento.
A palavra cateter, para aparecer como oxítona, teria de ter chegado até nós pelo grego, mas, como penso que passou pelo latim, por que não aparece como paroxítona?
Agradeço um esclarecimento.
De acordo com a generalidade dos dicionários modernos de língua portuguesa consultados (ex.: Infopédia), a palavra cateter deverá soar [kâtetér], isto é, acentuada na última sílaba, tal como D'Silvas Filho confirma e justifica nas duas respostas a que poderá aceder através das ligações disponíveis no final do presente artigo. De acordo com o referido consultor do Ciberduvidas, esta palavra, «para ser pronunciada ¦catéter¦, precisaria de ser acentuada, segundo as nossas duas normas ortográficas [...]. É sem acento que o termo está registado no vocabulário da Academia Brasileira de Letras [assim como, acrescento eu, no Vocabulário Ortográfico do Português]. Se, no entanto, há comunidades que preferiram usar *catéter, recomendo que se esteja atento à evolução da palavra. Lembro os fenómenos biopsia/biópsia, esta última já dicionarizada, e termóstato/termostato, esta última já tão generalizada em Portugal entre os técnicos, que termóstato parece hoje um pedantismo».
Por outro lado, o Dicionário Houaiss verte a seguinte nota a propósito do som deste vocábulo: «a pronúncia postulada pelo étimo é oxítona, mas a predominante, pelo menos no Brasil, é a paroxítona catéter/catéteres», e o Aulete Digital sugere mesmo a pronúncia catéter, com acentuação na penúltima sílaba, portanto.
Confirmando a polémica em torno da pronúncia da palavra em análise, Joffre M. de Rezende, num esclarecedor artigo constante em Tópicos Selecionados de História da Medicina e Linguagem Médica, Artigos, notas e comentários, e cuja leitura integral aconselho vivamente, tece as seguintes reflexões: «A palavra cateter já existia em grego, com acento na última sílaba — kathetér — e com o significado de algo que se introduz. Hipócrates usou-a com o sentido de pessário, e Galeno, para designar instrumentos metálicos usados para esvaziar a bexiga.»
Indo, de certa forma, ao encontro das conclusões veiculadas pelo prezado consulente, o referido professor emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás e famoso historiador médico refere que «o fato de o acento tônico recair na última sílaba, em grego, tem servido de argumento aos que defendem a forma oxítona em português. Do grego a palavra passou para o latim, com recuo da sílaba tônica». Segundo Joffre M. de Rezende, o latim terá sido usado «até ao século XVIII nos escritos médicos, e, desse modo, muitos termos gregos sofreram alteração prosódica ao serem a ele incorporados. É compreensível, portanto, que a acentuação latina tenha predominado nas palavras que transitaram pelo latim, ao contrário daquelas de formação erudita, oriundas diretamente do grego, que conservaram, de maneira geral, o acento tônico original».
Depois de citar as sugestões díspares de conceituados dicionaristas — portugueses e brasileiros — de referência (Ramiz Galvão, Cândido de Figueiredo, Mendes de Almeida, Plácido Barbosa, entre outros), conclui o médico brasileiro: «Estamos, assim, diante de um impasse do ponto de vista linguístico. Na literatura médica brasileira, especialmente na referente à comunicação oral em congressos e reuniões científicas, bem como na linguagem coloquial dos médicos, a forma usual é catéter no singular e catéteres no plural. Havendo disputa entre os doutos, manda o bom senso acolher a interpretação que mais se aproxima do uso e da tradição. O que é preciso é abandonar o farisaísmo de pronunciar uma palavra de um modo e escrever de outro, simplesmente por respeito ao que está no dicionário, esse bicho-papão de todos nós. A meu ver, tanto neste caso como em outros semelhantes, o uso deve prevalecer. Fiquemos, pois, com as formas catéter e catéteres, à semelhança do espanhol, e passemos a usá-las na linguagem escrita com acento bem visível na segunda sílaba.»
Posto isto, e para concluir, permita-me o caro consulente que, apesar da opinião de Joffre M. de Rezende, faça minhas antes as palavras cautelosas e algo divertidas, ainda que paradoxalmente polémicas, de D'Silvas Filho: «O que recomendo sempre, "nos termos que estão em transição", é não pôr os acentos, o que passa por esquecimento e permite a dupla pronúncia. Nota: já sei que esta recomendação vai escandalizar os fundamentalistas da ortografia, mas repito o que sempre digo: "as regras convencionais existem para servir a mensagem, não o contrário."»