No caso em apreço, considero que a forma se é um pronome reflexo, embora noutros contextos com o mesmo verbo possa não o ser.
Tenhamos em conta o seguinte corpus:
1) «O João abriu a porta.»
2) «O João abriu-se comigo.»
3) «A porta abriu-se.»
3.1) «A porta foi aberta.»
3.2) «Alguém abriu a porta.»
4) «A flor abriu.»
4.1) «A flor abriu-se.»
5) «Deixei ir aquelas minhas palavras porque elas o convidavam a abrir-se…»
O verbo abrir pode ocorrer como transitivo, intransitivo e em adjacência pronominal (tradicionalmente, verbo pronominal). Enquanto transitivo, prevê, na posição de sujeito, uma entidade dinâmica, que possa executar a ação prevista pelo sentido de verbo. Em 1, o grupo nominal «O João» preenche esse requisito. Enquanto pronominal, o se associado ao verbo, em contextos como 2, pode ocorrer como reflexo. Note-se que, neste contexto, o verbo adquire sentidos diversos, como «desabafar, revelar, ser franco», embora continue a ter como sujeito uma entidade dinâmica. Como pronominal, o verbo pode, ainda, ocorrer numa construção passiva de se, como em 3, que equivale a 3.1. O se da frase 3 pode ainda ser interpretado como indicador de indefinição do sujeito, ou, mesmo, como muitos defendem, como sujeito indefinido, equivalendo a 3.2. Esta última interpretação não é pacífica, nem consensual, havendo quem se oponha a ela.
Enquanto intransitivo, o verbo tem como sujeito uma entidade não dinâmica, como em 4. Neste caso, se ocorrer uma construção pronominal, o pronome deverá ser interpretado como inerente, pois não é possível atribuir-lhe função sintática.
Vista de uma forma geral a estrutura sintático-semântica do verbo abrir, analisemos a frase em apreço, que numeramos como 5. Embora não tenhamos todo o contexto, o verbo abrir, transitivo, parece equivaler a desabafar ou revelar. Neste caso, consideraria o pronome como reflexo, dado que a entidade sujeito se revela a si própria. Curiosamente, e fugindo ao que é habitual nos verbos tipicamente reflexos, esta ação de abrir-se prevê uma meta, ou seja, um destinatário que vai assistir à sua revelação ou ao seu desabafo.
Do ponto de vista pedagógico-didático, alerta-se, porém, para a complexidade da estrutura, o que desaconselha a sua utilização em níveis baixos. Será, porém, um bom trabalho a desenvolver com alunos do ensino secundário.