A preposição de relaciona sobretudo nomes, ou substantivos, e estabelece entre eles vários sentidos, dos quais se destacam:
1 – posse: a casa do João;
2 – continente – conteúdo: um copo de água;
3 – produção – produtor: Os Lusíadas de Camões;
4 – origem: tapetes de Arraiolos;
5 – causa ou motivo: grito de raiva;
6 – matéria: vestido de lã;
7 – qualidade ou condição: homem de letras;
8 – serventia ou destino: lenço das mãos;
9 – excelência: O Cântico dos Cânticos;
10 – determinante: cidade de Lisboa;
etc., etc.
Em algumas frases é possível fazer mais do que uma leitura, sendo a ambiguidade anulada (ou não!) pelo contexto. É o que acontece com expressões em que há designação de posse, que podem, igualmente, sobretudo quando a coisa possuída é um animal, ser interpretadas como se a preposição estabelecesse uma relação de determinação, como se verifica nas frases em apreço, nas quais há um sentido de posse a que se sobrepõe, muitas vezes por brejeirice, o sentido determinativo, sem que, todavia, as frases sejam sentidas como efectivamente ofensivas.
Relativamente à segunda questão que coloca quanto aos sentidos do verbo vir quando reflexo, saliento, antes de mais, que nem sempre o seu sentido é erótico (ou pornográfico, se preferir), dependendo essa leitura do facto de o verbo vir ou não seguido de advérbio e da subclasse desse advérbio. Assim, seguido de embora o verbo significa apenas deslocação:
Vim-me embora antes do final do filme.
Se ocorrer sem qualquer advérbio, ou com advérbios de modo adquire sentido erótico.
A razão por que este fenómeno acontece com este verbo é, provavelmente, tão arbitrária como a que conduz à diversidade de sentidos de tantas outras palavras do português. Basta folhear um dicionário de calão para verificar quantos sentidos diversos as palavras mais inócuas podem ter. Pense por exemplo no verbo fazer. Dá para quase tudo. Até para fazer o inefável: amor!
Eu não diria, no entanto, que estes sentidos, sobretudo na segunda questão que coloca, são negativos. As palavras designam realidades que reflectem a vivência humana na sua complexidade. Sentidos negativos transmitem palavras como matar, roubar, violar, etc.!
Os exemplos que apresenta no primeiro caso podem também ser usados de forma ofensiva e, nesse caso, trata-se de sentidos negativos. Mas a maior parte das vezes o seu uso corresponde a uma situação concreta em que se veicula posse, embora se brinque com o duplo sentido que as expressões permitem. Esta altura do ano, na província, com os mata-porcos, é muito propícia a esses jogos. As pessoas podem ser convidadas para matar a porca da irmã, ou o porco do tio, etc. Efectivamente matam o porco ou porca que pertence ao tio ou à irmã, mas não deixam de brincar com o duplo sentido da expressão.
Finalmente, permita-me uma sugestão de reestruturação do último parágrafo do seu texto:
Há muitíssimos verbos na língua portuguesa que são utilizados reflexivamente, mas por curiosidade há um verbo cujo significado, quando reflexo, é hoje em dia bastante negativo; não o era antigamente. É o verbo vir, cuja forma reflexa tem sentido diferente do que deveria originalmente significar.