A questão que coloca é muito interessante e, porventura, mereceria uma abordagem mais profunda do que a que aqui se faz.
Próxima de outras como ser necessário, ser preciso, ser possível, valer a pena implica um sujeito posposto, ou seja, cuja posição habitual é – contrariando o cânone português, que se traduz na ordem sujeito-verbo-objecto/complemento (SVO) – pós-verbal. Além disso, esse sujeito é uma frase completiva:
(1) vale a pena dizer coisas.
Note-se, no entanto, que a frase que serve de sujeito, se for substituída pelo pronome isto, já surge na ordem canónica:
(2) Isto vale a pena.
Como este tipo de expressões é invariável em número, pressupõe-se, em registo formal, a utilização da terceira pessoa do singular, sempre que a frase que serve de sujeito tenha o verbo flexionado.
A frase que a consulente submete à apreciação do Ciberdúvidas corresponde ao que alguns estudiosos chamam estrutura clivada da frase (1), que repito a seguir como (3), isto é, repete (ou reescreve) «vale a pena dizer coisas» através de uma construção que coloca em relevo, ou destaque, o complemento directo da frase sujeito «dizer coisas», que está na passiva:
(3) Vale a pena dizer coisas.
(4) Há coisas que vale a pena dizer.
(5) Há coisas que vale a pena serem ditas.
O vocábulo coisas é o complemento directo de dizer, pelo que, na passiva, deverá imprimir as marcas de concordância características entre o sujeito e o predicado no auxiliar da passiva a que serve de sujeito: «serem».
Acontece, porém, que se verifica uma tendência para, em construções de realce, elevar a flexão em número para a expressão invariável. Surgem assim frases como «Há coisas que valem a pena ser ditas» e que devem ser encaradas se não como marginais, pelo menos como menos formais do que aquelas em que a invariabilidade da expressão é respeitada, como em (5).