A forma com, como lembra Maria Regina Rocha, é «uma abreviatura da palavra inglesa “commercial”», a qual, «em princípio, significa que o endereço é de cunho comercial (embora nem sempre seja assim: também identifica “sites” hospedados em servidores americanos)». Esta abreviatura surge através de um processo de formação de palavras chamado truncação ou abreviação vocabular (cf. Margarita Correia e Lúcia San Payo de Lemos, Inovação Lexical em Português, págs. 44/45). Este processo não é muito produtivo em português, mas há alguns exemplos: metro por metropolitano (pode ter havido aqui influência do francês “metro”); héli por helicóptero. A truncação ocorre com mais frequência em línguas bem próximas, como o espanhol (“peli” por “película”, «filme»; “boli” por “bolígrafo”, «esferográfica», etc.).
Pelo menos em português europeu, a truncação inglesa “com” é lida e pronunciada quase à inglesa, porque a letra m é articulada como consoante nasal em posição final. Por outras palavras, a grafia com, que designa um domínio da Internet, é pronunciada por muita gente, pelo menos, em português europeu, como come, forma de 3.ª pessoa do singular do presente do indicativo do verbo comer (há quem pergunte até por piada – ver carta de 3/11/06 no Correio – quando é que aparece o domínio “bebe”…). Imediatamente se compreende que esta truncação levanta alguns problemas que não têm tanto que ver com a possibilidade de ser pronunciada, mas mais com a leitura da respectiva grafia, porque esta foge aos princípios de correspondência entre, por um lado, as ortografias brasileira e portuguesa e, por outro, a pronúncia dos sons. Explicando melhor:
– A truncação “com” é inglesa e, nesta língua, é pronunciada [kɑm], com uma vogal que geralmente soa, para quem fala português, como “o” aberto e com uma consoante nasal final ([m]) que é claramente articulada e audível. Como já se disse, os falantes de português europeu pronunciam sem grande esforço “com”, soando como “cóme”, dado que esta forma é, a nível acústico, algo semelhante à inglesa.
– Ao imitarem a pronúncia inglesa, os falantes lêem a sequência gráfica “com”, seguindo as convenções da ortografia inglesa. Curiosamente, quando se trata de outros domínios, sobretudo os que têm que ver com os países, soletram à portuguesa, atribuindo os nomes que as letras têm na ortografia vigente em Portugal e no Brasil; por exemplo: o domínio “pt” é pronunciado “pê tê” e não “piti”, como seria de esperar, se o critério das relações entre grafia e pronúncia do inglês se mantivesse.
Cabe então perguntar: se pronunciamos “pt” à portuguesa, porque não fazemos o mesmo com a grafia “com”? O que seria de esperar era que “com” tivesse a mesma pronúncia que a preposição com (isto é, “cõ” ou, no alfabeto fonético internacional, [kõ]). É certo que nos endereços URL surgem muitos nomes estrangeiros, que terão de ser pronunciados o mais próximo possível das línguas a que pertencem. Mas se estamos perante abreviações, e se já há algumas que se lêem à portuguesa, porque não generalizar este procedimento?
Pode-se argumentar que “CD-ROM” se pronuncia “cê dê rome”. Em Portugal, a prática actual é, de facto, essa, associando a leitura e a pronúncia portuguesas de CD à leitura de ROM à inglesa (com articulação de consoante nasal final). Assinale-se que os brasileiros lêem “rõ”, provavelmente porque, ao contrário do português europeu, é difícil em português brasileiro pronunciar uma palavra de tal maneira que esta soe como se terminasse em consoante. Contrastando com o português brasileiro, em português europeu actual, muitas palavras terminadas em “e” átono parecem soar como se a vogal tivesse desaparecido, restando apenas uma consoante da sílaba final. É assim que, na pronúncia mais rápida, sempre soa “sempr”, frente parece “frent”, e come, “com”, como se cada palavra acabasse, respectivamente, nas consoantes r, t e m. Contudo, mesmo em Portugal, há razões linguísticas para continuarmos a escrever come, com vogal final, por oposição à grafia em -m final, como a que encontramos na preposição com. Aqui, a letra m final é sinal de nasalidade sobre a vogal precedente, não podendo representar a consoante nasal final [m].
Se começarmos a adoptar maneiras de ler que são estranhas aos princípios da nossa ortografia, podemos estar a introduzir irregularidades que são escusadas. Mais a mais, as ortografias vigentes em Portugal e no Brasil são bastante coerentes quer do ponto de vista fonológico, quer do ponto de vista etimológico. Para o grande público, parece, pois, melhor não criar a ideia de que é arbitrária a relação entre grafia e ortografia, pelo que é aconselhável o aportuguesamento da truncação “com” através da pronúncia “cõ”. Seguindo a mesma lógica, é também melhor, no caso de CD-ROM, dizer “cêdêrrõ” (como no Brasil), embora aqui perceba que o uso de “cêdêrrome” está tão espalhado em Portugal, que talvez seja difícil evitá-lo.
Em suma, aceitar maneiras alheias de ler certas sequências gráficas pode trazer alguma instabilidade à relação que existe entre a ortografia que vigora num país e a pronúncia que lhe corresponde. No caso do português europeu, a leitura de certas abreviaturas estrangeiras de uso corrente seria mais adequada se fosse feita de acordo com as regras da ortografia nacional, não imitando as convenções de leitura da ortografia de outra língua, como sejam as do inglês.