DÚVIDAS

A origem do topónimo Eirô (Portugal)

Permitam-me apresentar a seguinte questão que, para vocês, pode não ter qualquer interesse linguístico, mas, para mim, que aprendi a falar o português dos meus antepassados e conterrâneos, que muito respeito, ficava-lhes grato se me pudessem esclarecer se ela tem ou não justificação e se deveria ou não ser tida em consideração e respeitada.

Quanto ao significado do substantivo eirô, escrito com “ô” fechado, nome de um velho casal (unidade de exploração agrícola antiga), como sempre foi reconhecido, assim escrito e pronunciado, os dicionários da língua portuguesa desconhecem-no, mas reconhecem o termo "eiró" (com “ó” aberto), como derivando do latim hydreôla, diminutivo de hidra: «cobra de água (doce e fria)», ou «enguia»; ou então do nome masculino, regionalismo de eira de piso térreo, do latim, aréola: «pátio pequeno». Nos documentos que encontrei, a partir de 1519, relacionados com este casal ou casa, feitos, nomeadamente, por escrivães e tabeliães de Mosteiros (gente erudita da época, conhecedores de português e latim), a palavra eirô vai aparecendo, sucessivamente escrita, nas seguintes formas: eyroo, eiroo, eiro ou eyro e eyrô ou eirô, eirô, o que, como mero leigo observador, me parece poder conduzir à derivação da palavra latina hydreôla, independentemente de estar relacionada com eira (existindo, efectivamente, no interior da actual multissecular Casa do Eirô, um pátio térreo chamado eira), ou com «hidra de água doce e fria» ou enguia (espécie de peixe que, em outras eras, poderia ter vivido no ribeiro que passava junto).

Em reforço do apresentado, é verdade que o substantivo eirô, ainda hoje, aparece escrito, nesta forma, em vários sítios do país, como, por exemplo: o Largo do Eirô, a Casa do Eirô, em Alijó, a Aldeia do Eirô, em Seia, etc. Sei que existe a palavra eiró, com “ó” aberto, quando referida a um peixe, e, pelo menos, a um lugar, em Cabeceiras de Basto, assim como em sobrenome de familiar. Sei que, num dos livros de Eça, ou A. Garrett, ou Camilo, que li em jovem, vinha lá escrito «Largo do Eirô» com uma nota entre parênteses de que, entre outras, significaria qualquer coisa semelhante a «que ficava no entroncamento de três caminhos»... Independente da palavra latina donde possa derivar, não seria de manter as duas opções? Pelos vistos, depois de oito séculos de língua portuguesa, os seus dicionários ainda apresentam algumas omissões ou lacunas, intencionais ou não.

Resposta

O mais provável é que todos os topónimos que refere tenham origem no latim vulgar *areolu-1 ou *areola-, e não se relacionem com *hydreola-, que terá dado eiró, «enguia» (cf. eiró2 em José Pedro Machado, Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, Livros Horizonte, 1987).

É no seu Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa que José Pedro Machado sugere as duas etimologias para o topónimo Eiró (com acento agudo). No entanto, a possibilidade de os topónimos Eirô e Eiró terem a mesma origem que eiró («enguia) é muito discutível, como bem ilustra a posição de A. de Almeida Fernandes, que em Toponímia Portuguesa – Exame a Um Dicionário (1999, s.v. Eiró), autor que considera que Eiró só poderá ter origem no latim *areola, diminutivo do latim area, areae, «superfície plana, espaço geométrico, terreno, praça, horta, campo» (Dicionário Houaiss). E, de facto, a documentação medieval atesta formas como eiroo e eiroa, as quais parecem ser o resultado de *areolu- e *areola, com a queda do -l- intervocálico característica do romance galego-português e a metátese de E (deslocação para outra sílaba) com subsequente formação de ditongo (areolu- > aerolo > airoo > .eiroo).

Note-se ainda que o grau de abertura da vogal – Eirô e Eiró – parece ter incidência etimológica: o primeiro topónimo terá derivado de *areolu- mediante eiroo, que posteriormente passou a eiró; e o segundo vem de *areola-, mediante eiroa e depois eiró. Este contraste corresponde ao que existe atualmente em português entre avô (aviolu- > avoo > avô) e avó (aviola- > avoa > avó). Contudo, estas correspondências podem não impedir que, por vezes, a forma Eiró encontre origem em areolu-, tal como acontece ainda hoje com avó, que pode ser o mesmo que avô, por exemplo, em dialetos do Algarve (cf. avó em Eduardo Brazão Gonçalves, Dicionário do Falar Algarvio, Faro, Algarve em Foco Editora, 1996). Refira-se ainda que Eiró e Eiroa são formas frequentes na Galiza, cujos dicionaristas e estudiosos da toponímia consideram geralmente que *areola- é o étimo desses nomes (ver Airado e Airó em Fernando Cabeza Quiles, Toponimia de Galicia, Vigo, Editorial Galaxia, 2008).

Em suma, do ponto de vista histórico, Eirô e Eiró devem referir-se à existência de um pequeno terreno plano, usado ou não para atividades agrícolas.

1 O asterisco (*) assinala formas etimológicas hipotéticas ou não atestadas documentalmente. Os étimos latinos vão em minúsculas, embora em estudos de história da língua e etimologia se usem as maiúsculas, conforme prática referida e adotada, por exemplo, em Tópicos de História da Língua Portuguesa (Lisboa, Edições Colibri, 2014, p. 15), de Teresa Brocardo: «Na indicação de étimos latinos usa-se [na obra em referência] a prática de os representar em maiúsculas [...].»

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