Transcrevo o que Said Ali, na sua Gramática Histórica da Língua Portuguesa (São Paulo, Edições Melhoramentos, 5.ª edição, 1965, pág. 134), diz em nota, de forma bastante acessível, sobre a história da forma peço, 1.ª pessoa do singular do verbo pedir (manteve-se a ortografia original):
«Do verbo petere ocorrem na Ibero-România duas formas para a 1.ª pessoa do presente do indicativo: peço (de *petio), usado em Portugal e fixado na linguagem literária dêste país desde os mais antigos tempos; e pido (de peto), próprio do espanhol e de alguns falares regionais de Portugal. Observo a este propósito que laboraram em equívoco os que afirmam se usasse antigamente em português literário pido, pida, pidas, etc., em vez de ou a par de peço, peça, peças, etc. Tal maneira de dizer era tida por plebeísmo. Peço é a forma sempre usada nos textos antigos: peço que tu a çerçeasses (Santo Amaro, 514); eu mais bem te peço que nom tenho merecido (D. Duarte, Leal Cons[elheiro] 320); Senhores peço-vos hũu dom: que me outorguedes o que vos quero pedir (Livro de lInhagens fl. XVI); ora vos peço que me talhedes a cabeça com esta spada (Santo Graal 31); peçovos por mercee que me leixedes hir em vossa companhia (ib. 45); eu vos peço tanto que sejades meus ospedes (ib. 51); porem vos peço por merçee que me perdoes (Fernão Lopes, [Crónica de] D. J[oão I] 27); desto vos peço eu perdom e nom doutra cousa (ib.).»
Em galego a forma pido, «peço», é efetivamente resultado da regularização do paradigma verbal, como explica o linguista galego Manuel Ferreiro (Gramática Histórica Galega, Santiago de Compostela, Edicións Laiovento, 1996, pág. 307):
«[...] [N]a lingua medieval mantéñense os resultados fonéticos producidos pola acción do iode na forma de bastantes verbos, irregulares na altura por causa da palatalización produzida pola semivogal nalgunhas consoantes (c, t, d, n, l) [...]:
feço (<FOĔTĔŌ )/fedes (FOETES) → fedo/fedes
perço (*PĔRDĔŌ)/perdes (<PĔRDĬS) → perdo/perdes
meço (<*MĒTĬŌ)/ medes (<*MĒTĪS) → mido/medes
menço (<*MĔNTĬŌ)/mentes (<MĔNTĬS) → minto/mentes
peço (<*PĒTĬŌ)/pedes (<PĔTĬS) → pido/pedes
senço (<SĔNTĬŌ)/sentes (SĔNTĬS) → sinto/sentes [...]»
Esta é, portanto, a situação da fase comum ao galego e ao português na Idade Média. Mais tarde, o português divergiu em alguns casos do galego, mantendo algumas das formas medievais, como acontece com meço e peço, mas, noutras situações, seguiu também o caminho da regularização (fedo, minto, sinto). A respeito de perder, também se pode dizer que o português foi mais conservador, porque conservou a forma perco, que era uma das variantes medievais de perço (a outra era pergo; ibidem).