Se encontrou diferentes propostas de análise morfológica do verbo encomendar, não admira, porque a análise desta palavra não se apoia apenas na intuição e requer algum conhecimento da sua história. Não faço ideia de quais as gramáticas em causa, mas calculo ser possível que encomendar apareça descrito como derivado de encomenda — classificação que não é a mais adequada, se atendermos à história da palavra, cuja reconstituição não reúne consenso. Com efeito, segundo o Dicionário Houaiss, trata-se de um derivado por prefixação do arcaísmo comendar: «en- + comendar (antigo e desus.) e, este, do lat. commendo, as, āvi, ātum, āre, "depositar, entregar, confiar; recomendar"». O dicionário da Academia das Ciências de Lisboa confirma aparentemente esta etimologia, embora proponha a associação direta do prefixo en- à forma latina, o que se torna discutível, porque para que um prefixo português se solde a outro elemento é preciso que este tenha já feição portuguesa. Por seu lado, o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, parece sugerir que o verbo português é simples adaptação da forma latina hipotética ou reconstruída *incommendare (o asterisco assinala esse estatuto de hipótese ou reconstrução linguística), derivado de incommendātu, «exposto à mercê de alguém». Em suma, acho que este verbo não será o mais adequado para ilustrar os processos produtivos de derivação no português contemporâneo.