O caso apresentado pelo consulente reporta-se aparentemente à situação da expressão «seja… seja…», a qual, segundo Maria Helena Mira Mateus et aliae (Gramática da Língua Portuguesa, 6.ª ed., Lisboa, Caminho, 2003, p. 566), se enquadra nas expressões disjuntivas correlativas, uma vez que tem o mesmo valor que as «locuções/expressões disjuntivas correlativas» convencionais – «ou… ou, ora… ora, quer… quer, nem… nem» (idem) –, pois «todas [estas expressões] propõem uma escolha entre os termos coordenados». (idem)
Contudo, a expressão em apreço «não está totalmente gramaticalizada», tratando-se de um caso de expressão disjuntiva correlativa em que «a natureza verbal ainda é visível» (idem). Com efeito, distingue-se pela «possibilidade de flexionar em tempo, pessoa e número, e de co-ocorrer com a conjunção ou» (idem).
Assim sendo, essa expressão pode utilizar-se tanto no plural como no singular, concordando a pessoa (1.ª, 2.ª ou 3.ª) do sujeito a que se reporta. Reparemos nos seguintes exemplos da Gramática da Língua Portuguesa (citada), em que se verifica a utilização dessa expressão, tanto no presente como no imperfeito do conjuntivo e, também, a concordar com os respectivos sujeitos:
(i)«Sejas tu ou seja eu, alguém tem de encontrar a solução do problema.»
(ii)«Fossem amoras, [ou] fossem pêssegos, a moléstia atacava tudo o que era fruto.» (idem)
Ora, após estas indicações dos linguistas, observamos, contudo, que as frases do consulente mostram um pequeno problema estrutural, porque, se o primeiro elemento em alternativa é uma expressão nominal no plural («as narrativas»), o segundo é um complemento preposicional («em relatos e crônicas»), equivalente à expressão de valor adverbial «em relação a isso (isto é, relatos e crónicas)», a qual, não podendo globalmente ter marca de plural, acaba por funcionar como um elemento frásico no singular («sejam as narrativas… seja isso que é relativo a relatos e crónicas…»). Seguindo a lógica dos exemplos (i) e (ii), seria de esperar então que a frase adequada fosse, não uma das que o consulente propõe, mas a seguinte:
(iii) ?Sejam as narrativas do acontecimento de Ourique, seja em relatos e crônicas mais relacionados à expansão marítima, o que se pode observar é que a missão religiosa era apreendida de forma indissociável do ideal civilizacional
Mas a construção em (iii) afigura-se-nos defeituosa. E porquê? Sucede que na frase (iii) se usa o verbo observar que além de um complemento directo («o que… é que a missão religiosa…») tem um outro complemento preposicional que exprime o campo de observação (por exemplo, «observa-se um grande desleixo neste livro»). Se estamos perante uma construção disjuntiva, é de esperar que os elementos disjuntos tenham o mesmo estatuto sintáctico, mas não é o que acontece em (iv). Deste modo, não se compreende por que motivo «as narrativas», expressão que corresponde ao primeiro elemento disjunto, não aparece também como complemento preposicional – o que significaria assumir a forma «nas narrativas». A frase correcta é, portanto, (iv):
(iv) Seja nas narrativas do acontecimento de Ourique, seja em relatos e crônicas mais relacionados à expansão marítima, o que se pode observar é que a missão religiosa era apreendida de forma indissociável do ideal civilizacional.
Vemos que, nesta frase, a expressão disjuntiva correlativa não tem de concordar com os constituintes que introduz. É que, apesar de plurais, «narrativas» e «relatos e crónicas» ocorrem em expressões introduzidas por preposições que constituem uma barreira à concordância. Nesse caso, usa-se simplesmente a forma seja… seja…