Sara Mourato - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara Mourato
Sara Mourato
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Licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa – PLE/PL2 pela mesma instituição. Com pós-graduação em Edição de Texto pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, trabalha na área da revisão de texto. Exerce ainda funções como leitora no ISCTE e como revisora e editora do Ciberdúvidas.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Devemos escrever «Aquela pessoa foi forte e jamais se vergou» ou «Aquela pessoa foi forte e jamais vergou»?

Resposta:

Recomenda-se o uso de «Aquela pessoa foi forte e jamais se vergou», embora não seja erro empregar o verbo sem pronome reflexo («aquela pessoa foi forte e jamais vergou»).

O verbo vergar pode ocorrer como transitivo («ele vergou a mola»), intransitivo («ele vergou») e em adjacência pronominal («ele vergou-se») – cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (ACL). No caso em questão, em que o verbo é negado, vergar corresponde a uma mudança de estado, que pode ser física, mas também psicológica, visto ser interpretável metaforicamente, como sinónimo de sujeitar-se e esmorecer (cf. vergar no Dicionário Houaiss). Dado que o sujeito («aquela pessoa...») denota um ser humano, o verbo deve fazer-se acompanhar do pronome reflexo, à semelhança de outros verbos psicológicos como afligir-se, emocionar-se ou preocupar-se ou mesmo como verbos de mudança de estado físico como magoar-se, queimar-se e encharcar-se (excluem-se os verbos acabados em -ecer, como enlouquecer ou envelhecer, que não têm conjugação reflexa; cf. Gramática do Português da Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, p. 1210). Observe-se, no entanto, que os registos dicionarísticos abonam como opcional a ocorrência de vergar com pronome reflexo, mesmo quando referido a pessoas, assim legitimando uso não pronominal: «indeciso, vergou(-se) aos argumentos dos adversários» (Dicionário Houaiss); «Vergou-se à vontade dos pais» (dicionário da ACL).

Pergunta:

Peço desculpa pela pergunta ingénua, mas podem, por favor, confirmar-me se existe a palavra "dispendiosidade"? Devo, ao invés, utilizar o termo "dispêndio"?

Grata pela atenção.

Resposta:

Dispêndio e dispendiosidade são vocábulos que existem na língua portuguesa e pertencem à classe gramatical dos substantivos Estão atestados em diversos dicionários com as seguintes definições:

i) Dispêndio: despesa, gasto, consumo, prejuízo;

ii) Dispendiosidade: particularidade ou característica do que é dispendioso, custo, preço elevado.

Note-se que ambos os substantivos podem não ocorrer como sinónimos. Vejamos exemplos:

iii) «Usar o carro diariamente representa um dispêndio elevado no final do ano», ou seja, utilizar o carro diariamente traz um grande prejuízo financeiro no final do ano;

iv) «Comprar um carro elétrico resolve a dispendiosidade da gasolina», ou seja, a gasolina é um combustível dispendioso, e o carro elétrico surge como uma solução. 

Pergunta:

O que significa um "temperamento saturnino"?

Resposta:

Quando referimos que uma pessoa tem «temperamento saturnino» estamos a dizer que essa pessoa se caracteriza por ser lenta, apática, melancólica e/ou depressiva. 

O adjetivo saturnino pode também significar o mesmo que saturnal, «relativo ao deus ou ao planeta Saturno» e «relativo às festas em honra de Saturno» (Dicionário Houaiss, s. v. saturnal). Entre os Romanos, Saturno era o deus da agricultura, festejado entre 17 e 19 de dezembro, quando se comemoravam as sementeiras e veio a ser identificado com o deus grego Cronos (idem, s.v. saturnais).

Pergunta:

Apesar de toda a consulta no Ciberdúvidas de artigos similares, é-me complexo decidir qual a melhor opção.

«Que ciência nos ensina os livros?»

«Que ciência nos ensinam os livros?»

Pensei que a primeira opção será a mais correcta, mas, algumas horas depois de escrever a frase, tive a clara sensação de que estava errada. Compreendo que a solução simples seria optar por «Os livros ensinam-nos que ciência?», mas esta frase claramente não cumpre os objectivos da primeira no contexto em que será usada (primeira frase de uma sinopse).

Muito obrigado.

Resposta:

No contexto em que se pretende colocar a questão, o correto será: «Que ciência nos ensinam os livros?». Nesta questão o verbo concorda com o sujeito (os livros) que se encontra no plural.

Do ponto de vista estritamente sintático, a  frase «Que ciência nos ensina os livros?» é possível, sendo que estamos a supor que a «ciência ensina os livros»; daí que o verbo surja no singular, a concordar com um outro sujeito: ciência.

No entanto, com base no conhecimento que temos do mundo extralinguístico, o mais provável, ou inevitável, é que sejam os livros a ensinar ciência, e não o contrário.  Daí a primeira interrogativa ser a recomendada.

Pergunta:

No contexto hoteleiro, os anglicismos «check-in» e «check-out» podem ser substituídos, respectivamente, por «verificação de entrada» e «verificação de saída»?

Resposta:

O termo check-in – «verificação do bilhete e pesagem da bagagem à partida para uma viagem de avião, registo de embarque; registo de dados pessoais e outras formalidade à chegada a um hotel, registo de entrada» (Dicionário da Porto Editora) – é recorrentemente substituído por «dar entrada» ou «registo de entrada». Menos recorrente é a tradução do termo check-out – «pagamento da despesa e de outras formalidades à saída de um hotel, registo de saída; serviço de processamento de compras» (Dicionário da Porto Editora), no entanto, quando é traduzido, utilizam-se expressões como «registo de saída», «dar saída» ou «fazer a saída».1 Note-se, no entanto, que há preferência pelo uso dos anglicismos. 

1 Para o espanhol, a Fundéu BBVA, recomenda registro ou llegada para check-in, e salida, para check-out. Trata-se de soluções que não se afastam das portuguesas que foram mencionadas, mas que podem ser adaptadas, respetivamente, como registo ou chegada e saída.

Cf.