Sara de Almeida Leite - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Sara de Almeida Leite
Sara de Almeida Leite
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Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português e Inglês, pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa; mestre em Estudos Anglo-Portugueses; doutorada em Estudos Portugueses, especialidade de Ensino do Português; docente do ensino superior politécnico; colaboradora dos programas da RDP Páginas de Português (Antena 2) e Língua de Todos (RDP África). Autora, entre outras obras, do livro Indicações Práticas para a Organização e Apresentação de Trabalhos Escritos e Comunicações Orais ;e coautora dos livros SOS Língua Portuguesa, Quem Tem Medo da Língua Portuguesa, Gramática Descomplicada e Pares Difíceis da Língua Portuguesa e Mais Pares Difíceis da Língua Portuguesa.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

O plural do nome composto vice-presidente é vice-presidentes, certo? No entanto, gostaria que me esclarecessem sobre a classificação morfológica da palavra vice.

Obrigada.

Resposta:

Na palavra vice-presidente, vice- é um elemento de formação, um prefixo, que deriva do latim vice («em vez de»). É invariável, pelo que não se flexiona no plural, no caso de palavras derivadas por prefixação, como vice-reis, vice-presidentes, vice-campeões.

No entanto, vice é também classificado como substantivo dos dois géneros em dicionários brasileiros: no Dicionário Houaiss, trata-se de «redução de substantivos precedidos do elemento antepositivo vice- (p. ex., de vice-presidente, vice-governador, vice-diretor etc.)»; no Dicionário UNESP do Português Contemporâneo (São Paulo, Editora UNESP, 2004), é «pessoa que substitui outra em cargos diversos».

Pergunta:

A frase «Sempre vamos ao cinema?» está correcta gramaticalmente, no que toca ao uso de sempre?

Obrigada.

Resposta:

A frase que apresenta está correcta.

O advérbio sempre tem, aqui, o significado de «afinal, efectivamente», no sentido em que a pessoa que faz a pergunta pretende que seja confirmada a acção em causa (ir ao cinema). Nestes casos, surge em posição pré-verbal (exemplos: «E amanhã, sempre queres ir?»;  «Sempre te apetece sair?» «Achas que eles sempre vêm?»).

Se o mesmo advérbio fosse transferido para uma posição pós-verbal (por exemplo «Vamos sempre ao cinema?», ou «Vamos ao cinema sempre»), o seu significado alterar-se-ia para «continuamente, constantemente».

Pergunta:

Traduzo frequentemente textos técnicos (informática) de inglês americano para português.

Recentemente, deparei-me com a necessidade de traduzir typed (que, pelo menos no contexto, não tem o mesmo significado que typified).

Para mim, a tradução correcta seria "tipado" e não "tipificado".

Será o termo "tipado" correcto em português?

Resposta:

Uma palavra polissémica como type (e tantas outras!) não deve ser traduzida sem conhecimento do enunciado em que ocorre.

No caso da forma typed, que é uma flexão do verbo to type no passado (past simple), ou particípio, esta tanto pode ser traduzida por dactilografado, ou teclado, como por tipificado ou representado, já que type também pode ser sinónimo de typify. Tudo depende do contexto!

Quanto ao termo “tipado”, não o encontrei nos dicionários que consultei, pelo que desaconselho o seu uso.

Pergunta:

Gostaria que me pudessem explicar que figura de estilo está neste verso de Álvaro de Campos: «Começa a haver meia-noite.»

Muito obrigada.

Resposta:

Considerando o verso integral («Começa a haver meia-noite, e a haver sossego»), e em termos de construção, julgo que não existe aqui propriamente uma anáfora, dado que a repetição da palavra «haver» não se dá, neste caso, no início de versos, nem no início de frases, não havendo um estrito paralelismo formal entre «começa a haver» e «e a haver».

Em termos de conteúdo, eu diria que estamos em presença de uma metáfora, em que «meia-noite» designará, para o poeta, o momento nocturno em que a  calma é total, em que tudo está silencioso e adormecido: a parte mais profunda da noite e, nesse sentido, o seu "meio": pois nele se está o mais longe possível do início e do fim.

Pergunta:

A minha pergunta é muito simples: constitui um erro ortográfico a supressão da consoante c na forma escrita da palavra profilácticas? Oiço muitas vezes falar da supressão das consoantes mudas, à luz dos acordos ortográficos, mas, segundo informação do ILTEC, ainda está em vigor o acordo de 1945...

Sei que a supressão do c em questão é comum no português do Brasil. E no português de Portugal? Constitui um erro grave escrever «medidas profiláticas»? Todos os dicionários que encontrei dizem-me que sim... mas gostava de saber se a utilização do c em questão é facultativa.

Obrigado.

Resposta:

Na verdade, a utilização do c mudo não é facultativa, de acordo com a norma do português europeu. É tão incorrecto escrever "profilático" como "ato" (em vez de acto) ou "aspeto" (em vez de aspecto).

Se e quando nos regermos efectivamente pelo acordo de 1990, então, sim, poderá grafar essa e outras palavras sem o c mudo.

Nota: as regras do Formulário de 1943 admitem, para o Brasil, que se escreva com ou sem c palavras como profiláctico/profilático e aspecto/aspeto, pois esta consoante  pode ser ou não muda, dependendo da escolha dos falantes. No caso de ato (acto, em Portugal), porém, a única grafia correcta no Brasil é ato, pois «não se escrevem as consoantes que se não proferem».