Rúben Correia - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Rúben Correia
Rúben Correia
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Licenciado em Estudos Portugueses e Lusófonos pela pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e mestre em Língua e Cultura Portuguesa - Português Língua Estrangeira/Língua Segunda na referida. Prepara atualmente um doutoramento na mesma área.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Em vários idiomas há palavras para distinguir «aquele que monta a cavalo» daquele que era um guerreiro montado medieval da classe mais baixa da nobreza. Desta forma há no francês cavalier/chevalier, no alemão Reiter/Ritter, no holandês ruiter/ridder e no inglês há vários termos como rider, horseman, cavalier, knight, que são invarialvemente traduzidos como cavaleiro, apesar dos significados relativos em seus idiomas originários. Portanto, gostaria de saber se há na língua portuguesa palavras para fazer essa distinção e qual é o uso correto de cavaleiro e ginete.

Resposta:

O termo cavaleiro (do lat. caballarius) é de facto utilizado para fazer referência à antiga instituição medieval da cavalaria e também àquele, ou àquela, que anda a cavalo. No primeiro caso, H. Brunswick, no Diccionario da Antiga Liguágem Portugueza, regista as seguintes aceções do vocábulo cavalleiro (1);

a. cavaleiro: homem de armas, da classe dos «filhos de algo» que, depois de ter passado na milícia pelo grau de «escudeiro», era armado cavaleiro por um rico-homem, ou pelo próprio rei, ou procuração deste.
b. cavaleiro de uma lança: nome dado aos homens de mesnada (2)que, como gente sem nobreza, e alguns até da sorte dos simples lavradores, não entravam na classe dos cavaleiros propriamente ditos, ainda que tivessem posses para ter cavalo, pelo que gozavam de vários privilégios e isenções.
c. cavaleiro vilão: espécie de aristocrata plebeu, análogo ao curial romano. Usava um fuste ou vara com que de quando em quando espertava os peões que faziam algum serviço.
d. cavaleiro de espada dourada: nome que se dava aos que, suposto não tivessem nobreza herdada, e mesmo fossem de antes «peões» chegavam a ter a contia, e cavalo de servir, que mostravam em diversas épocas do ano, para gozarem de certos privilégios, um dos quais era não pagarem «jugada» (3).

Em relação ao uso corrente de cavaleiro com o sentido de «aquele/a que anda a cavalo», o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa regista uma forma masculina (cavaleiro) e uma forma feminina (cavaleira), apresentando as seguintes aceções: «1 – pessoa que monta ou sabe montar a cavalo; 2 – pessoa que pratica o desporto da equitação ou participa em competições a cavalo». Note-se ainda que o termo cavaleiro é usado no âmbito...

Pergunta:

É muito comum as pessoas, principalmente aqui, no Mato Grosso do Sul, utilizarem a palavra especialmente ao final de uma frase, o que na maioria das vezes soa como uma pergunta, como se substituísse o «não é?». Por vezes, ao meu ver, isso soa como insegurança ao fazer uma afirmação.

Pergunto: a palavra existe? Se sim, ela deve ser acentuada? Qual a origem dessa palavra? Devemos utilizá-la normalmente? 

Obrigado!

Resposta:

De facto, o advérbio , de uso coloquial, resulta da contração da locução «não é». Tanto o termo como a referida locução se usam no final de frases interrogativas diretas. Por exemplo, «você é brasileiro, né/não é?». Neste exemplo, «né/não é» funcionam como uma tag-question, uma forma de retomar e de pedir confirmação acerca do conteúdo do enunciado anterior. O advérbio já se encontra dicionarizado. O dicionário Houaiss indica que este termo é «usado como marcador conversacional, indicando pedido de confirmação ou de concordância como o que foi dito, ou apenas pausa». Ainda a propósito deste termo, queira consultar a seguinte resposta acerca de uma curiosa falsa analogia entre o português e a expressão ne japonesa.

Pergunta:

A palavra abestunto existe?

Resposta:

Abestunto é variante de bestunto, «cabeça de pouco juízo, de pouca inteligência» (dicionário da Academia das Ciências de Lisboa). Embora não seja frequente registá-la, a variante abestunto ocorre, por exemplo, no Dicionário Houaiss e no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa.

Pergunta:

Venho pedir os vossos esclarecimentos para a correcta utilização das palavras trajeto e trajetória. Julgo que são sinónimas, mas interrogo-me sobre a pertinência de uso de uma ou de outra. 

Obrigada!

Resposta:

Trajeto (do lat. trajectu, «passagem») e trajetória (do lat. trajectore, «o que atravessa») são por vezes utilizados como sinónimos, dependendo do contexto em que se encontram. No entanto, importa ressalvar que os dois termos não significam necessariamente o mesmo, sobretudo quando aplicados no domínio científico da física: o trajeto, de acordo com o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, é «1 – o caminho ou espaço que é preciso percorrer para ir de um ponto a outro, percurso; 2 – ato de percorrer esse espaço, viagem»; já a trajetória é a «linha descrita por qualquer ponto de um corpo em movimento, trajeto, órbita; 2 – linha descrita por um projétil depois de lançado; 3 – [sentido figurativo] percurso, caminho». 

A título de exemplo, refira-se a trajetória aerodinâmica do Sol, da Lua, de um míssil ou até mesmo de um satélite (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa). Neste caso, e pegando no exemplo do míssil, não nos referimos ao ponto de onde o mesmo é lançado nem tampouco àquele onde o mesmo embate (o trajeto), mas, sim, à linha descrita por esse corpo em movimento (a trajetória). Portanto, não parece ser natural referir «o trajeto do míssil» quando aquilo que se pretende exprimir é o movimento descrito por este. O mesmo se aplica ao «trajeto do Sol» quando o que se pretende referir é a trajetória aparente do Sol ao redor da Terra. 

Por outro lado, se aquilo que pretende referir é o percurso entre dois pontos, ou seja, o espaço linear a percorrer entre dois pontos separados, imagine Setúbal e Alcácer do Sal, aí o termo a aplicar será o trajeto, podendo (neste contexto e com o sentido de «caminho, percurso») de acordo com o Dicionário da ...

Pergunta:

Qual é a forma correta: «trabalho em Pinhal Novo», ou «trabalho no Pinhal Novo»? No fundo: quando se utiliza em, e quando se utiliza no

Agradecido pela atenção.

Resposta:

Por experiência pessoal, posso afirmar que os habitantes da localidade (Palmela, Setúbal) que menciona se referem ao mesmo como «o Pinhal Novo». Assim, «trabalho no Pinhal Novo» (contração da preposição em com o artigo definido o), mas «trabalho em Lisboa» (sem preposição e, portanto, sem contração). 

Celso Cunha e Lindley Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo (Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984; págs. 228-230), ao tratarem do uso do artigo com nomes geográficos, referem que «o mesmo acompanha nomes de países, regiões, continentes, montanhas, vulcões, desertos, constelações, rios, lagos, oceanos, mares e grupos de ilhas» (por exemplo, o Brasil, o Algarve, a Europa, o Himalaia, o Vesúvio, o Sara, a Ursa maior, o Sado, o Como, o Atlântico, o Mediterrâneo e a Madeira), o mesmo se aplicando aos pontos cardeais e aos pontos colaterais.¹

No que respeita aos nomes de cidades, de localidades e da maioria das ilhas, aquilo que se verifica é o seguinte;

a. Não se usa, geralmente, o artigo com nomes de cidades, de localidades e da maioria das ilhas (Lisboa, Paris, Madrid, Moscovo, Creta, Florença...)

b. Alguns nomes de cidades que se formaram a partir de substantivos comuns conservam o artigo; «o Porto», «a Guarda», «o Rio de Janeiro», «a Figueira da Foz»... A par destes, também algumas cidades estrangeiras são acompanhadas de artigo («o Cairo», «a Haia», «o Havre»...), bem como algumas ilhas («a Córsega», «a Sardenha», «a Sicília»...)

No entanto, razões histórias e/ou de uso local criam por vezes situações não contempladas pelas regras gerais apresentadas por Cunha e Cintra, como, a título de exemplo, «a Covilhã», cujo nome não tem origem...